O Jardim - Prólogo | Iradex

O Jardim - Prólogo

O que fazer quando a sua única opção é correr, mesmo que você não saiba para qual direção fugir?

O Jardim - Prólogo é um conto escrito por Cleiton Xavier, distribuído em primeira mão aqui no Contos Iradex.


O Jardim - Prólogo

Corri até que não sentisse mais minhas pernas, porém não importava o quanto eu corresse, nada ao meu redor mudava. Eu estava em um imenso jardim, para qualquer direção que eu olhasse, só havia flores mortas. Não me lembro ao certo como cheguei nesse lugar, só me lembrava que tinha que fugir, fugir o mais rápido possível.

Quanto tempo mais eu ficasse parado, mais eu esquecia quem eu era e o porquê de estar fugindo, não existia nenhum tipo de vento naquele jardim, mas ainda sim, era o lugar mais frio e aterrorizante do qual eu já estivera, o céu era nublado e parecia ter vida própria com as suas grandes nuvens cinzas, que cobriam todo o horizonte. Eu realmente não tinha mais forças para continuar, quanto mais tempo eu ficasse parado, mais eu me sentia cansado, como se sentisse minha vida se esvaindo.

Como se toda essa loucura não bastasse, eu comecei a ouvir vozes. Minto. Não eram vozes, eram sussurros vindo das flores mortas naquele campo. Ele ou ela, ou seja lá qual entidade estivesse ali. Naquele momento eu estava sendo convidado para que me deitasse no chão, era um convite sereno, mas ao mesmo tempo me dava um frio na espinha, sem que eu me desse conta, meus joelhos já estavam dobrados. Foi como se eu tivesse sido hipnotizado. Encarei as flores que ali jaziam, olhei para elas como se pudesse ver através do campo, e antes que eu me desse conta, já estava com a grama cobrindo as minhas pernas.

Eu já não fazia mais questão de me levantar. Apenas por um momento. Apenas por um momento eu pude sentir um pouco de paz, como se estivesse no lugar mais confortável e familiar, o frio não era como antes, era apenas uma simples brisa que passava pelos meus cabelos, um simples sopro de vento. Vento. Eu finalmente podia senti-lo, e o céu, esse já não era mais cheio de nuvens cinzas que permeavam todo o horizonte, agora ele parecia com um dias prestes a nascer, com poucas nuvens. Ao fundo eu podia até escutar o sino tocando... Ao fundo. Não. Não era ao fundo. Por um breve momento durante as badaladas, foi como se eu tivesse saído de um transe, todo aquele céu, todo aquele jardim vivo, por um momento eu voltei ao lugar que eu sempre estive, porém dessa vez eu via algo diferente, uma torre, ao norte do jardim.

Fosse uma miragem ou não, aquela imagem não saia de minha mente, mesmo eu tendo voltado a ver aquele céu azul, mesmo que o jardim estivesse lindo, nada ali parecia real, nada parecia ser natural. E com um estalar de dedos, ou melhor dizendo, com o tocar do sino, o transe se desfez.

Agora eu podia enxergar com mais clareza, e nesse momento eu comecei a suar frio, estava cansado, sentia o meu corpo sem forças, em um estado pior do que já estava, e o gramado, esse já cobria minhas costas.

Ao tocar de mais uma badalada, eu finalmente pude me lembrar de porquê estava ali, por qual motivo eu estava fugindo. Enquanto aquele sino tocasse, eu conseguia me lembrar mais e mais sobre a minha vida. De quem eu estava fugindo? Do próprio Jardim, a cada toque do sino, as gramas iam desgrudando do meu corpo. Após mais algumas badaladas, consegui me soltar daquele gramado, me levantei, corri o mais rápido que podia, mesmo estando no meu limite físico eu precisava chegar na torre.

Com o passar do tempo, as badaladas tornaram-se mais espaçadas, e quanto maior esse intervalo, mais próximo eu podia sentir o jardim. Ele se aproximava cada vez mais, porém dessa vez não era com a sutileza e calmaria de antes, agora ele estava agressivo. Continuei correndo mesmo que não sentisse minhas pernas.

Nesse momento já não ouvia mais o sino, agora era questão de tempo até que eu me esquecesse tudo novamente, continuei correndo, mas já era em vão, eu não conseguia mais mexer minhas pernas, talvez pelo cansaço, ou talvez pelo próprio Jardim, estava com tontura, já não tinha consciência e nem coordenação motora suficiente para me manter de pé.

Aos poucos fui caindo no chão, praticamente sem forças, eu tentei me rastejar, minha visão já não me permitia enxergar a torre, o Jardim havia me alcançado, enquanto seu gramado subia pelas minhas pernas.

Meus últimos suspiros foram em tons melancólicos, talvez fosse O Jardim, ou apenas eu, mas não conseguia mais segurar as lágrimas, enquanto o gramado cobria meu corpo, meus últimos pensamentos me levaram ao começo, quando um casal e seu filho se perderam em uma floresta. E esse filho. Uma criança. Perdida numa floresta, encontrou um lar no seu jardim, e com os anos, foi crescendo e vivendo naquele lugar, essa criança entrou nesse inferno com apenas 5 anos, 5 dias depois, já estava com 50. Agora essa criança já não tinha mais forças para se levantar, pois o jardim já o tinha. Quando a última lágrima caiu, ali ele soube, que O Jardim havia vencido.


Esse conto foi escrito por Cleiton Xavier para o Contos Iradex. Para reprodução ou qualquer assunto de copyright o autor e o blog deverão ser consultados.


Sobre o autor: Cleiton Xavier é só um rapaz latino americano que escreve contos nas horas vagas e busca ser um sujeito de sorte escrevendo seus roteiros que ainda não saíram do papel.
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