Você entraria em uma jornada da qual já conhece o fim?
As Crônicas dos Astronautas é um conto escrito por Cleiton Xavier, distribuído em primeira mão aqui no Contos Iradex.
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As Crônicas dos Astronautas
"talvez eu te encontre por aí
Ou talvez eu me encontre.
Irei partir atrás de respostas
Não prometo trazê-las, mas prometo voltar."
Assim terminava a carta que estava em minha mesa. Aquela era uma terça como qualquer outra, mais um dia em uma semana, mais uma semana em um mês, mais um mês daquele ano que se recusava a acabar. Lembro de ter acordado mais cedo nesse dia, de ter levantado, feito o café, feito uma caminhada, mas a volta... a volta havia sido diferente, o tempo ao redor estava se fechando, as pessoas não estavam mais nas ruas e, quando cheguei em casa, ela não estava mais lá.
Não estranhei de princípio, na verdade aquilo já havia se tornado costumeiro. O problema era que dessa vez algo parecia estar diferente. Logo que cheguei, a chuva começou, e caiu agitada por todo o dia. Talvez fosse um sinal.
Quando entrei no quarto após o banho, me deparei com a carta em cima da cômoda, com a instrução que fosse aberta restritamente após as cinco da tarde. Eu nunca fui de questionar esses pedidos estranhos que ela tinha, mas sabe quando você fica com uma inquietação insaciável? Pois é, era assim que eu me sentia. O dia passou, às horas passaram, e enfim eu abri a carta, e sendo sincero, até hoje eu não consigo dizer se aquela foi a decisão correta.
***
O que você faria se descobrisse o fim antes mesmo do começo? Você continuaria pelo prazer da jornada ou simplesmente desistiria e fugiria para o mais longe possível? Eu me fiz e ainda me faço essa pergunta. O conteúdo da carta era algo impossível de se acreditar, mas ao mesmo tempo a verdade mais crua. Nós duas sempre viajamos, passado, presente e futuro. Poderíamos dizer que esse era o nosso passatempo, é, eu sei, é irônico, mas a ironia maior era saber que nossa última viagem foi justamente para o dia que tudo começou. Ela me trouxe para o lugar onde a conheci, e por onde viajamos pela primeira vez, mas o motivo dela ter feito isso foi justamente porque era necessário para a gente continuar existindo.
Há 15 anos, eu a conheci. Era uma terça-feira, chovia sem parar e eu estava preste a cometer suicídio. Iria me jogar da sacada do prédio, porém na hora H eu fraquejei, graças aos deuses, e nessa hora ela apareceu. Apareceu e me salvou, me confortou e levou para casa. Eu nunca soube muito sobre o passado dela, e para mim não importava, pois depois de tudo que ela tinha feito por mim, o que realmente importava era para onde nós iríamos viajar no dia seguinte, qual lugar fantástico ela iria me mostrar e quais iriam ser as aventuras.
Admito que foi um erro nunca ter perguntado sobre, porém a carta que ali estava em minhas mãos, tinham todas essas respostas, ela disse que nunca pretendeu que aquilo acontecesse, ela nunca planejou o nosso relacionamento, ela só queria evitar um desastre, ela me levou para a casa dela, cuidou de mim por um bom tempo, e depois me falou sobre as viagens. No início foi óbvio que eu não acreditei, mas aí viajamos pela primeira vez, e depois a segunda e incontáveis outras vezes.
Mas o real motivo de eu estar justamente naquele dia onde tudo começou é que eu precisava salvar uma pessoa, eu deveria levar essa pessoa para a nossa casa e cuidar dela. E depois eu deveria viajar com ela, mostrar que valia a pena viver. De novo. O que você faria se descobrisse o fim antes mesmo do começo? Você continuaria pelo prazer da jornada ou simplesmente desistiria e fugiria para o mais longe possível?
Esse conto foi escrito por Cleiton Xavier para o Contos Iradex. Para reprodução ou qualquer assunto de copyright o autor e o blog deverão ser consultados.
