Confissão | Iradex

Confissão

Só, num embate diário, nem mesmo a exaustão permite o luxo do repouso.

Confissão é um conto escrito por Diego Rodrigues e distribuído em primeira mão aqui no Contos Iradex. Embarque nessa leitura.


Confissão

Volvo e me revolvo nesta pele anêmica e seca que se enrosca em mim: já não posso dormir, pois sofro o assalto implacável da tua sedução.

Contigo falo agora, admitindo, mesmo à nossa revelia, que tu és o conteúdo a descansar entre as vírgulas que, nestas núpcias noturnas, intercalam eu de mim.

Uma fina luz cortante invade o nosso leito, rasgando a nudez da nossa escuridão. Em tua presença, nada mais me furta o olhar. Eis então que só tu me cativas com tua presença obsessiva. E quando em teus braços, no abandono arrebatador que sofro de mim mesmo, sei que toda a paisagem é névoa que assume formas macabras enquanto evanesce.

És tu a minha amante de semblante espectral.

Nas tuas carícias nada mais sinto, nada mais penso, nada mais posso. Tens assim a minha obstinada fidelidade.

Embriagado no teu toque, meus olhos queimam. Jamais caem. Assim permaneço, na sucessão inquieta do instante que se desenrola como uma cortina negra que oculta os cenários no palco do tempo.

Nossa trilha é silêncio íntimo. Há também um compasso esparso, não ritmado e fortuito: sussurros de exaustão. De onde vem? Não posso ver. Não sei sentir. Pois nestas horas, tua presença surge imperiosa para eclipsar eu de mim.

Flutua os meus sentidos. Minha existência pesa sobre os meus ossos. Te vejo sorrindo. Me desejando.

Me cerca a frieza de um concreto branco imaculado, na tonalidade desta pele em que agora me revolvo, enquanto te confesso em voz lacrimosa, que de ti, agora, preciso fugir, mesmo deitado e sem forças, pois o descanso precede a vida que quero todas as manhãs, quando devo despertar.

Insônia...


Esse conto foi escrito por Diego Rodrigues para o Contos Iradex. Para reprodução ou qualquer assunto de copyright o autor e o blog deverão ser consultados.


Sobre o autor: Diego Rodrigues é de Porto Alegre, pai de uma vira-lata linda com heterocromia e pós-graduando em História Social. Seja pela intromissão da altivez, ou pela reserva da modéstia, não se define, mas descreve: transita por diferentes discursos que abordam a experiência humana.
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