Livros de memórias de grandes nomes da MPB são a bola da vez no mercado editorial nacional. Vide o sucesso de vendas das obras sobre Rita Lee; Elza Soares e recentemente Ney Matogrosso.
Um timbre único dentre o cancioneiro popular brasileiro que intriga o público mesmo antes de ver a figura andrógina que fascina em cima do palco. Um homem feminino. Um artista multifacetado.
Um vanguardista. Um bicho do mato. Um intérprete detalhista. Um teatrólogo renomado.
Um David Bowie tupiniquim!? Uma "inspiração" parra o Kiss!? Uma voz libertária. Um vira-lata de raça.
Ao contrário das volumosas biografias tradicionais que traçam uma linha do tempo desde a infância, as memórias em primeira pessoa retratam o biografado através das experiências vividas (aquelas reveladas) e o aproximam do leitor ao compartilhar o olhar de mundo mais que a fidelidade histórica dos fatos.
Tanto o livro Vira-lata de Raça como o documentário Olho Nu são montados como linha de pensamento e declaração de liberdade. Através de vídeos e memórias temáticas parece que uma poesia é declamada.
O pai militar lhe "forçou" a ser transgressor jovem e o palco uma descoberta para sua voz e sexualidade, depois de experiências na Aeronaútica, em laboratório patológico, no artesanato e nômade hippie.
Teatro e música o levaram ao eixo Rio/SP e consequentemente os Secos & Molhados. Sucesso fugaz de um pop peculiar que conquistou crianças, mas acabou por conflitos econômicos e não artisticos.
Os adultos viam sexualidade nos Secos & Molhados, mas as crianças adoravam, sem dúvida elas foram nosso salvo-conduto, foram nosso escudo contra a ditadura. Para as crianças, a gente era um desenho animado, seres engraçados, dançantes e cantantes.
Brasil, Rio de Janeiro,RJ. 18/08/1988. O cantor Ney Matogrosso com o musico Cazuza e Paulo Ricardo.Foto: Ana Carolina Fernandes/AEPasta
O sexo e amores, as dores e vitórias, as drogas e perdas. Olhar sincero para o passado mas sempre atento aos sinais. Aborda com dor a Aids, que levou amigos e paixões como Marco de Maria e Cazuza.
Um duro aprendizado do sobrevivente que se nega "a ser estandarte de movimento gay" pois acredita e defende direitos diversos, não somente da liberdade sexual. Faz política apartidária em cima do palco.
Acredito num mundo onde cada um pode ser responsável por si e pelo outro. Isso é um pensamento anárquico, mas é no que acredito. Um universo onde a sexualidade não seja uma questão.
Além de caçar fatos e ser curioso pelos bastidores e história da música, ler sobre é uma motivação para explorar a discografia de um músico e seus outros talentos. Matogrosso tem muitas faces.
No caso do Ney, tinha pouco contato com o extenso repertório e releituras. Sorte minha e do público que quase tudo está disponível nos streamings de música, vídeos e dvds das turnês gravados.
Ney Matogrosso Interpreta Cartola é de uma beleza ímpar com versões delicadas para clássicos. Além de parcerias diversas: Pedro Luís, Chico, Cazuza, Toquinho, Jobim, Caetano, Villa-Lobos, Nação Zumbi, etc.
Um artista audiovisual inovador com acervo gigante. Os seus videoclipes no Fantástico marcaram uma geração e os shows são uma experiência, seja pulando num festival de rock ou sentado num teatro.
Aos 77 anos, ele continua dirigindo shows (Laila Garin) e roda o país com seu Bloco na Rua.
Então, aproveitem e (re)descubram o sangue latino e a alma cativa de Ney Matogrosso.
Eu nasci transgressor, vou morrer transgressor. Meu destino é ser um astronauta lírico, com toda a liberdade. Neste tempo de gente insana, sou bastante consciente do poder da palavra, do canto, da energia que emitimos para o outro. Sou um homem livre.
Vira-lata de Raça (livro) e Olho Nu (filme)
Editora Tordesilhas;; 288 páginas; 2018.
Canal Brasil e Paloma Cinematográfica (Produção);; 101 minutos; 2014.
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