O maior trabalho de Hércules | Iradex

O maior trabalho de Hércules

Decisões mudam vidas. Quando você decide mudar a vida de alguém, você também muda a sua.

O maior trabalho de Hércules é um conto de Natal, escrito por Emília Braga, distribuído em primeira mão aqui no Contos Iradex.

Recomendamos a leitura desses contos antes de embarcar nessa história:

- O Dono da Esperança
- Felicidade Plena
- Dias Quentes
- Lulu


O maior trabalho de Hércules

Entro em casa, penduro a chave do carro, dou os primeiros passos na sala. Com as crianças na escola, tudo fica em um silêncio absurdo. É paz pra mim, mas confesso preferir estar brigando pela barulheira a estar me sentindo solitária. Se bem que desde quando o Hércules chegou que não me sinto assim. Sentei no sofá. Respirei fundo e estive certa de que pensamentos tristes não iriam povoar minha cabeça. À minha frente a estante da sala, ao lado da TV, o controle do videogame que o Samuca nunca guarda e algums fotos. Junto do porta-retratos da família, a foto com os dois amigos: Hércules e Lulu. "Hércules" pra mim e para o registro na clínica veterinária, porque as crianças sempre o chamaram "Auau". Sorri e pensei no quanto a vida nos prega umas peças…

Tenho ainda viva em mim a lembrança de quando, aos 12 anos, disse que nunca mais iria querer outro cachorrinho. Falei isso alto, às lágrimas, para meus pais depois que perdemos o Tufão. Não tenho lembrança de quando ou como ele chegou em nossa casa. Das poucas fotos que tenho dele, ele já era grandinho, e eu era muito criança pra lembrar, mas as histórias que me contam é de que ele sempre aparecia no córrego no fim de tarde para beber água e procurar algo para comer, e que foi papai que o trouxe. Tufão virou meu melhor amigo e companheiro, estava comigo nas brincadeiras na rua com as outras crianças, ao meu lado assistindo filmes de terror ou quando eu ficava de castigo por tirar notas baixas na escola. Com ele aprendi o que era amor incondicional e gratuito. Muitas vezes eu não merecia o amor que ele me dava, e por isso, disse naquele dia que nunca mais iria querer outro cachorrinho. Perder quem a gente ama de uma hora pra outra é muito dolorido! Mas Tufão, até com sua morte, me ensinou bastante. Me ensinou, principalmente, que quando a morte acontece, devemos celebrar a vida!

Lembrei muito do Tufão quando o papai se foi. Lembrei dos dois juntos, do papai lhe dando comida escondido, dele sentadinho na frente da porta, esperando o papai chegar do trabalho… Olhei pra foto, pensei nas vezes que o Hércules fazia igual ao Tufão, sentado em frente à porta, esperando pelo papai, o encantador de cães de rua. Ah, seu Luiz… Há uns anos, papai chegou puxando o Hércules (que ainda não tinha nome) por uma coleira. Estava banhado, de gravata, mas nem isso melhorava sua feiura. Eu estava de pé na cozinha, congelada, acompanhando com os olhos o papai entrar devagar na sala, chamando pelas crianças. Senti medo que aquele cachorro feio pudesse reagir mal aos meninos, já que eram agitados e barulhentos… Sabe como crianças são… Gritam, pulam… E elas foram direto no cachorro, o cercaram e o abraçaram e abraçaram o papai também. Tremi inteira quando ouvi a confirmação de que aquele cachorro estava chegando para ficar. Vi um filme passar na minha cabeça, quis endurecer e bater o pé para evitar todo o sofrimento que vivera um dia, mas na mesma hora amoleci quando vi que aquele bichinho abanava alegremente o rabo para as crianças. Papai gargalhava com as crianças e me olhou. A única palavra que consegui falar foi "Hércules".

Coloquei o porta-retratos no lugar. Falta pouco para as crianças chegarem da escola para dar início as férias. Hoje cedo, Hércules, ou melhor, Auau se despediu delas antes de irem para a aula e depois veio para perto de mim. Normalmente ele subiria no sofá e se aninharia com o Lulu para um cochilo até a hora do lanche, mas desta vez ele resolveu deitar perto de mim na cozinha, enquanto eu cuidava dos afazeres. Notei que havia algo de errado quando peguei o pote de biscoitos de leite e ele não se moveu. Chamei seu nome algumas vezes. Ele já estava velhinho e meio surdo, isso acontecia vez ou outra, mas hoje foi estranho, então o chamei mais alto e o toquei, com um sorriso falso no rosto, enquanto o cérebro repetia inúmeras vezes que havia algo de errado. O tempo parou, me cobri de desespero, mas não havia muito o que pudesse ser feito, além de reconhecer que o último trabalho do nosso Hércules foi ser o melhor companheiro que as crianças poderiam ter.

Agora era a vez dos meus filhos aprenderem sobre a perda de um amor puro.

Percebi, no caminho de volta da clínica veterinária, o quanto o Tufão e o Hércules tiveram influência em toda a minha vida. Algum tempo depois da chegada do Hércules, em uma das idas ao veterinário, soube de um abrigo de bichinhos abandonados que ficava no caminho. Fui sozinha uma vez, conheci o trabalho das pessoas e me compadeci do amor que eles todos tinham pelos bichinhos abandonados. Depois, já com mais contato e percebendo as dificuldades que eles passavam, passei a ajudar financeiramente e, quando dava, com doação de alimentos. Em um dia de mutirão de banhos levei as crianças. Foi um dia muito especial, com muito amor dado e recebido, e neste dia resolvi adotar um dos gatinhos do abrigo, o Lulu, que só busquei na noite daquele Natal, o nosso primeiro sem o papai.

Ainda no caminho de volta, resolvi dar uma passada no abrigo. Nossa casa já não mais combina sem um cachorrinho e, certamente, nós vamos querer um novo companheiro quando a tristeza da perda passar. Encontrei um jovem serelepe que me recebeu com mordidas na sandália e dois latidos. Me apaixonei! Durante estes anos de contato, aprendi com as pessoas do abrigo as vantagens de adotar um bichinho já crescido, e vi que era era a melhor decisão. Foi assim com o Hércules, vai ser assim com o Alf.


Ajude

Em todo o mundo existem voluntários que acolhem bichinhos abandonados, cuidam, alimentam e abrigam até que, um dia, este bichinho seja adotado por alguém que queira o seu amor. No Brasil, o número de abrigos são incontáveis, mas a história de todos é muito semelhante: dependem de doações de alimentos, medicamentos, serviços e, principalmente, de dinheiro para pagar contas de luz, água e despesas veterinárias.

Nós do Iradex reconhecemos o trabalho hercúleo de todos os protetores e sugerimos que conheçam os abrigos de suas cidades. Além das doações, alguns abrigos fazem mutirões de banho e limpeza, então sempre dá pra ajudar de alguma forma, se esta for sua vontade.

Listamos aqui três abrigos que temos conhecimento de seu comprometimento e seriedade com a causa animal, e lhe convidamos para que conheça mais:

Abrigo São Lázaro (Fortaleza - CE)

O Abrigo São Lázaro é uma Organização não-Governamental sem fins lucrativos fundada por Rosane Dantas em 1993 com a missão de resgatar animais de rua, tratá-los e disponibilizá-los para adoção. O abrigo luta por uma vida melhor para os bichinhos abandonados em Fortaleza, e atualmente abriga mais de 600 animais. Para ajudar, além das doações e trabalho voluntário, é possível apadrinhar alguns animais.

Mais informações:
Facebook: https://www.facebook.com/saolazaro/
Grupo de Mutirão de banho: https://www.facebook.com/groups/551111398323774/

Abrigo Flora e Fauna (Brasília - DF)

A Associação Protetora dos Animais Abrigo Flora e Fauna foi fundada em 26 de maio de 2005, por Orcileni Arruda de Carvalho. O Abrigo acolhe cães e gatos em situação de risco de morte, vítimas de abandono e maus-tratos. Em março/2018 abrigava cerca de 800 animais.

Mais informações:
Site: http://www.abrigofloraefauna.org.br/
Instagram: https://www.instagram.com/abrigofloraefauna/
Facebook: https://www.facebook.com/abrigofloraefauna/

ALPA (Limeira - SP)

A ALPA foi fundada em 1996 com a missão de disseminar o conhecimento sobre a causa animal para a população de Limeira, orientando sobre cuidados básicos de saúde e como proceder em caso de maus tratos. Os animais tutelados são, em sua maioria, idosos, que precisam ser alimentados, vermifugados, esterilizados, vacinados e protegidos contra parasitas todos os meses. Este trabalho é totalmente voluntário e por isso, as doações da população são fundamentais.

Mais informações:
Site: http://www.alpa.org.br/
Facebook: https://www.facebook.com/ALPA.Limeira/
Instagram: https://www.instagram.com/alpalimeira/


Esse conto foi escrito por Emília Braga para o Contos Iradex. Para reprodução ou qualquer assunto de copyright o autor e o blog deverão ser consultados. Hércules e Lulu no porta-retratos são na verdade Kiko e Pipoca, dois fofinhos que vivem felizes e em harmonia no seu lar. A foto foi cedida carinhosamente pela ALPA.


Sobre o autor: Emilia Braga é bióloga, doutora em Ecologia e ama observar o mundo ao redor. Sofre de verborragia crônica e de fraqueza aguda por brigadeiro.
Sobre o projeto: Contos Iradex é uma iniciativa daqui do site de colocar textos, contos, minicontos ou até livros mais curtos para a apreciação de vocês, leitores. Emendaremos algumas sequências com materiais da própria equipe e, em seguida, precisaremos de vocês para mais publicações. Se você tiver uma ideia de projeto, envie um e-mail para contos@iradex.net.