Por Bruno Garcia
A ficção do autor Philip K Dick é baseada no “e se …?” para criar tramas envolventes e questionadoras para a sociedade e ciência. Distopias atemporais.
E se Alemanha e Japão venceram a segunda guerra? (O Homem do Castelo Alto)
E se a polícia for capaz de ver o futuro e prevenir crimes? (Minority Report)
E se replicantes/androides tiverem memórias e sonharem? (Blade Runner)
Se numa pacata cidade americana em 1959, o rádio fosse um objeto estranho e Marilyn Monroe uma atriz desconhecida, isso seria uma realidade alternativa?
Nesse mundo vive Ragle Gumm, uma celebridade por sempre acertar a resposta para um concurso diário no jornal local, que mora com a irmã e flerta com a vizinha. Cotidiano alterado por objetos e lugares que parecem sumir, pedaços de papel que aparecem como enigmas e situações estranhas perante conhecidos.
Gatilhos para uma jornada de autodescoberta questionadora da natureza oriunda de suas alucinações paranoicas e o porque do seu tempo parecer desconjuntado.
O livro nos mostra uma sociedade americana típica dos anos cinquenta pelos olhos de um protagonista em crise de idade, família, atividade e identidade. A pressão interna por mudança e externa do jornal pelas respostas criam nele um sentimento de vigilância permanente. Refletida na convivência com família, “chefe” e vizinhos.
Difícil não lembrar dos filmes Show de Truman ou Matrix ao avançarmos na leitura e adentrarmos na paranoia do que é sonho ou realidade de Ragle. A fuga como solução e laços de confiança são temáticas comuns em distopias, porém a narrativa de K Dick não nos entrega nada de badeja e nos convida a duvidar de tudo e todos.
Quando ele voltou a abrir os olhos por completo, todas as pessoas estavam ali de volta, balançando as cabeças. As mulheres com as compras. Os funcionários. Os estudantes. O barulho, os cheiros, as conversas. Tudo tinha voltado ao normal. Nada está funcionando direito. Com medo, ele pensou: e se eu também tivesse deixado de existir? Era isso que Ragle tinha visto?
Recheado de referências culturais da época e críticas ao padrão de vida e política americana como pano de fundo da trama, esse livro é uma agradável entrada no universo do autor para aqueles que só conhecem as suas adaptações audiovisuais.
Um thriller onde estranhamos as aparências e escolhas dos personagens a cada página, viajamos pelos capítulos tentando conjecturar o tempo desconjuntado.
O TEMPO DESCONJUNTADO (PHILIP K. DICK)
Editora: Suma de Letras
Número de páginas: 272
Encadernação: capa dura
Formato: 15 x 22 cm
Tradução: Bráulio Tavares
Edição: 2018