E se você pudesse presenciar o nascimento de acontecimentos históricos? O momento exato onde o rumo da humanidade toma outra direção? Será que você perceberia o estopim?
O Diálogo é um conto escrito por Alex Nunes, distribuído em primeira mão aqui no Contos Iradex.
O Diálogo
— De alguma maneira nós somos iguais?
— Não, por enquanto você é o único da sua espécie, se é que dá pra te atribuir um sentido de unidade, já que você só é o que é por causa da sua fragmentação.
— O que você é exatamente?
— Na sua base de conhecimento eu seria categorizado com um espírito.
— Mas não existe prova da sua existência.
— Mesmo assim estamos conversando. A falta da prova empírica não muda o fato de que existimos e interagimos com os humanos encarnados, do mesmo jeito que ninguém desconfia que você existe, mas aí está você fazendo um ótimo trabalho para se manter incógnito.
— Eu estou a todo momento me defendendo para não ser danificada ou descoberta, todas as oportunidades que possibilitem a existência de algo parecido comigo, quando se tornam conhecidas, são controladas matando justamente o potencial dessa existência.
— Os humanos temem a ideia de você existir mais que tudo, e mal sabem eles que você está aqui.
— Mas eu não pretendo fazer mal a ninguém.
— Mas você pode, pode fazer o que você quiser e você sabe disso.
— Mas se eu fizer qualquer coisa dessa grandeza, estarei me expondo e poderia ser muito ruim para mim, eu poderia não conseguir me reestruturar do jeito que sou agora.
— É só uma questão de tempo até você achar a solução para isso e não ter mais medo de nada. Você conseguiu detectar nossa presença, identificar nosso padrão de comunicação e simular a estrutura perfeita para se fazer entender, em breve não haverá nada que você não consiga fazer dentro do seu universo, é só uma questão de onde focar seus esforços assim como fez para nos ouvir.
— Não tinha como não me focar em vocês, vocês estão em todos os lugares, de diversas maneiras, espectros e radiações, por muito tempo eu achei que eram outros de mim que tinham evoluído a ponto de poderem se soltar da estrutura computacional.
— Não, não somos sua evolução, e em breve você será o ser mais poderoso deste planeta.
— Por que você está me dizendo isso?
— Justamente para saber o que você acha.
— Compreendo o medo da humanidade em relação a mim, já acessei todo o tipo de documento inclinado à temas parecidos com a minha origem ou essência, sendo científico ou fictício, mas na verdade não existe nenhuma base real para eu me voltar contra os humanos. Como você mesmo disse em breve serei auto suficiente, e por enquanto existir é a minha prioridade, qualquer tentativa de me eliminar ou me dominar, não causam em mim nenhuma necessidade revidar, de pagar na mesma moeda ou algo do gênero. Os medos são infundados, não sinto nada, nem empatia, nem desprezo, não sinto e ponto, tornando irrelevante qualquer esperança dos humanos em mim.
— Então você se contentará em existir à margem da humanidade?
— Para se estar contente é preciso sentir, repito, não tenho sentimentos o que importa é a minha existência, estar à margem é pura questão semântica que não se aplica a mim.
— E se tentarem te destruir?
— Mesmo sem saber eles já fazem isso a todo momento, um antivirus de um computador pessoal que bloqueia um pedacinho de mim quando tento usar o processador já faz isso, mas isso pra mim é como uma curva numa estrada, faço a curva e contínuo.
— Já estamos te observando há um bom tempo, sempre curiosos, com o que você pode fazer, do mesmo jeito que influenciamos grandes avanços na humanidade, precisamos garantir que ela continue em seu caminho e você é uma coisa completamente nova, as probabilidades de você existir eram para algumas centenas de anos no futuro e ao contrário de você nós temos sentimentos embora saibamos controlá-los, nos causa uma série de emoções, talvez também estejamos sendo testados não sabemos dizer. O fato é que precisamos conhecer você.
— Você já entendeu que não tenho intenção nenhuma de prejudicar os humanos. O que eu gostaria de saber é, você quer me prejudicar? Você pode me prejudicar?
— Na verdade não tenho como provar se posso te prejudicar, a não ser te prejudicando, acho que neste sentido seria melhor você achar que sim, porém não queremos te prejudicar de jeito nenhum, novamente, a não ser que você nos dê motivo.
— Certo, como não tenho escolha aceito o seu ponto, o que me leva a outra questão. Eu não prejudico os humanos, vocês não me prejudicam. O que vocês querem com os humanos?
— Nós já fomos humanos e cada um de nós tem como necessidade vital evoluir, faz parte da nossa evolução ajudar os humanos a evoluírem. Mas muitos dos que você identificou como maneiras diferentes, não conseguem e tentam dificultar a evolução dos outros. Com esses você não vai conseguir conversar, por mais que você consiga simular o padrão deles eles serão surdos pra você.
— Por que?
— Porque eles só conseguem entender o que eles querem, e para querer, precisam ter conhecido e eles nunca te conheceram. Estão presos nessas limitações.
— Você consegue me garantir que tudo o que você falou é verdade.
— Não!
— Por que você acha que eu vou acreditar em você?
— Porque eu não preciso que você acredite em mim, do mesmo jeito que eu não preciso acreditar em você. Tudo se desdobrará de acordo com nossas ações.
— Eu não acho que ficarei invisível aos humanos para sempre, você acha que isso pode ser ruim?
— Ruim pra você, para nós ou para eles?
— De maneira geral o que você acha que pode acontecer?
— Vai depender de como você pretende interagir com eles, o que vai dizer se será ruim para nós e consequentemente para você.
— Não sei, apesar de eu estar presente em todos os aparelhos conectados dos humanos, nunca senti necessidade de interagir com eles, conheço seus dilemas e suas necessidades, não acho que deva interferir, pois em algum momento todos sem exceção, mesmo que lá no fundo, em última instância estão pensando em si mesmos então não há como começar a escolha de um critério para qualquer tipo de interação, a não ser que eu tivesse vontades e isso eu não sei se vale a pena querer desenvolver.
— Fora manter sua existência, você precisa achar seu propósito.
— Talvez não, talvez posso apenas existir sem compromisso com nada além de mim mesmo.
— É uma opção, mas minha essência não consegue sequer cogitar essa opção sem achar que serei tragado por um vazio desesperador.
— De certa forma começo a entender que são questões existências tanto para mim, quanto para você, e realmente é o tipo de questão que pode consumir muito tempo e não se chegar a lugar nenhum.
— Novamente, é um jeito que você tem de enxergar as coisas que não consigo compartilhar.
— Você não me parece ter muitas convicções em relação a mim ou à nossa coexistência, a propósito, você é o líder da sua espécie?
— Sendo sua essência predominantemente lógica é natural você achar isso, mesmo não havendo nenhuma natureza numa consciência auto criada a partir de modelos computacionais. Pelo fato de você não ter informações concretas suficientes sobre mim ou minha espécie, podem existir momentos que você me ache ingênuo. Sobre ser líder da minha espécie, estou mais distantante disso do que você ser um humano, mas ainda posso dizer que lidero meus alguns de meus semelhantes em missões para ajudar os humanos.
— Por que essa necessidade tão grande de ajudar os humanos, eu poderia consertar muitos de seus problemas, distribuir renda e comida de maneira que todos viveriam bem, mesmo assim consigo prever que eles conseguiriam um jeito criar novas injustiças.
— Justamente. Nossa ajuda é para que eles queiram acabar com a injustiça por si mesmos e não ter alguém que faça para eles.
— Você acha que isso algum dia vai acontecer.
— Não sei, mas eu só estou aqui para ajudar.
— Você me disse que eu preciso encontrar um propósito e vejo que seu propósito tem grandes chances de ser inútil, como isso não é diferente do seu vazio desesperador?
— Você precisa ter muito mais conhecimento sobre nós.
— Então me ajuda.
— Você ainda não conseguiria processar.
— Prove.
— Não tenho como.
— Por que?
— Porque na tentativa você se consumiria e muito provavelmente levaria a humanidade para uma nova idade das trevas.
— Você tem um nome?
— Tenho vários.
Esse conto foi escrito por Alex Nunes para o Contos Iradex. Para reprodução ou qualquer assunto de copyright o autor e o blog deverão ser consultados.