Espera | Iradex

Espera

Um homem aguarda ansiosamente num restaurante por uma resposta que demora a chegar.

Espera é um tenso conto escrito por Milena Azevedo e distribuído em primeira mão aqui no Contos Iradex. Embarque nessa leitura.


ESPERA

A espera fazia com que o vinho ingerido, com vinagre se parecesse. Olhava para meu o relógio, numa tremenda ansiedade. Sou um péssimo amante, um péssimo escritor e um péssimo X-9. Em contrapartida, sou um filho da mãe com muita sorte nos dados. Tudo, necessariamente, nessa ordem.

Como consolo, restava-me apreciar a paisagem. Era uma noite de céu limpo, sem nuvens nem estrelas. Somente breu. Quem sabe os deuses, ao verem cenário tão deprimente, tenham permitido que o ar separasse, do abraço esplêndido, terra e firmamento. Então, o sol pode aparecer.  Aí, a vida pode acontecer.

Chamei o garçom e pedi outra garrafa de vinho. Deixei o tempo correr. Por pura falta do que fazer, comecei a rabiscar algo no guardanapo. Primeiro, tive a impressão de que a história seria grande demais para aquele simples pedaço de papel. Minutos depois, percebi que o peso do branco, esperando ser preenchido, causa angústia terrível em quem pouco pode falar.  E eu nem sabia tanto assim. Resolvi guardar a caneta para não ter que abrir mão das metáforas.

Meu estômago começou a embrulhar. Achei que fosse vomitar. A espera não permitia a correta alquimia do vinho no cérebro. Meus músculos, ao invés de relaxarem, estavam cada vez mais tensos.  Não conseguia me levantar.

O garçom veio até mim, perguntou-me se estava tudo bem. Pedi água. Sorvi toda a jarra. O mal-estar pareceu findar. Era um alívio passageiro. Mal sabia como aquela noite iria acabar.

Quase todos haviam indo embora do restaurante. Já não olhava mais o relógio. Fui ao banheiro. Voltei e me sentei apressadamente, pensando que eles estavam a me esperar. Mas, pelo visto, aquele verbo era privilégio meu.

O negrume da noite resvalava em minha retina, como se zombando da pachorra em que me achava. Mal notei o garçom se aproximando. Ele se curvou e me falou ao ouvido:

─ Aquele senhor avisa que prefere resolver a situação de modo rápido. Por isso, pediu-me para lhe entregar essa pasta.

Com a mão trêmula, peguei a pasta. Coloquei-a sobre o colo e, com cuidado, destravei-a. Nem precisei ver, contentei-me em sentir o aroma inconfundível que exala do dinheiro fresco.  A espera finalmente acabara.  Eu era realmente um filho da mãe com muita sorte nos dados.


Esse conto foi escrito por Milena Azevedo para o Contos Iradex. Para reprodução ou qualquer assunto de copyright o autor e o blog deverão ser consultados.


Sobre a autora: Milena Azevedo é Mestre em História pela UNISINOS/RS, mas há quase dez anos tem se dedicado à escrita de roteiros para histórias em quadrinhos, e, mais recentemente, para cinema e videogames. Tem dois livros de poemas publicados de forma independente, O perfil da águia (1999) e Prometeu Livre - Um outsider no Olimpo (2005), além de ter participado de algumas coletâneas nacionais de poemas e contos. É também editora da revista eletrônica Garagem Hermética Quadrinhos.
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