Um erudita de disciplina monástica. Um hippie vivendo num prédio em construção. Um poeta fã de João Cabral e Bob Dylan. Um músico experimental. Um incorrigível Don Juan. Um pintor de retratos. Um Pop Star. Um pai de família. Um desaparecido.
Quem foi, afinal de contas, Belchior?
Aquela figura de bigode proeminente, cabelos ao vento e voz anasalada cantando músicas longas sem refrão fácil destoava dentre o cancioneiro popular brasileiro.
Um canto meio torto para um jovem pautado pelas músicas da Jovem Pan e clipes da MTV.
O conhecimento se restringia ao seu medo de avião, sua velha roupa colorida, seu amigo analista, as velas do Mucuripe e sua parceria com Fagner. Esse sim, bem popular na playlist do pai durante as viagens em família.
Desconhecimento até que era o compositor de Como Nossos Pais da Elis Regina. Assim como uma geração o conheceu através do belo tributo Ainda somos os mesmos em que novos artistas cantam os clássicos do álbum Alucinação.
Tem que se viver um pouco antes de ter a carne cortada pelos versos do poeta.
O seu lado pintor só foi conhecido ao visitar o Centro Cultural Belchior, na Praia de Iracema em Fortaleza. Frustando a expectativa de ver cadernos de composições e fotos da carreira musical mas revelando a inquietude artística que foi sua vida.
Vida e obra descritas no livro Belchior – Apenas um rapaz latino-americano, do jornalista Jotabê Medeiros, pela Editora Todavia.
Não uma biografia tradicional daquelas grandes que um biografado deste geraria, e sim um estudo de personagem e suas obras com teor investigativo e analítico.
Conforme a pesquisa evoluía, eu notei que Belchior se cristalizava perante meus olhos como um mito moderno, cheio de mistério e também trivialidade, poesia e intriga, tragédia e romance. Era um personagem tão intrigante quanto sua música, e o momento em que as duas coisas se cruzam cria fascínio. – Jotabê Medeiros
Pesquisa iniciada depois do seu “desaparecimento” há dez anos e finalizada depois da sua morte em 2017. Trajetória que vai de Sobral no Ceará, onde nasceu, até Santa Cruz no Rio Grande do Sul, onde passou seus últimos dias longe do público que o cultuava.
O biógrafo entrevistou parceiros musicais, amigos, familiares e produtores; traçando uma linha do tempo que passa: pelo mosteiro dos Capuchinhos de Guaramiranga, a faculdade de medicina em Fortaleza, o início artístico nos bares e televisão, a mudança para Rio/São Paulo em busca de reconhecimento, e o exílio no final de vida.
As andanças pelo mundo que propiciaram encontros musicais e filosóficos são retratadas: na parceria/rivalidade com Fagner; no embate das letras com Caetano Veloso; no breve encontro com Bob Dylan; na obsessão pela Divina Comédia de Dante Alighieri.
O jornalista faz um estudo sobre o significado, citações e referências contidas nas letras de Belchior em diversos momentos, tornando o livro um ensaio que foge do lugar comum de descrever os fatos e bastidores. A vida pessoal com muitos irmãos, a veia latin lover, os filhos, casamentos e dívidas estão na obra mas não são o foco.
Porém segundo o autor: “Belchior se confunde com os objetos que examina sendo parte da narrativa. Não está vendo o povo, ele é o povo. É erudito e popular ao mesmo tempo. Sempre inquieto e antenado com tudo. Um literato. Um enigma.”
Esse livro ajuda a desvendar aquele que se dizia apenas um rapaz latino-americano.
Gosto de cantar e escrever canções, mas depois que você compõe e grava, tudo é capaz de andar por conta própria. Um dia eu vou morrer e minhas músicas vão continuar por aqui. – Antonio Carlos Belchior