Remember a day: Parte 1 - O Inimigo | Iradex

Remember a day: Parte 1 - O Inimigo

As vezes, não há nada pior do que o silêncio.

Remember a day é um conto escrito por Gabriel Franklin e distribuído em primeira mão aqui no Contos Iradex. Embarque nessa leitura. O conto será publicado em 3 partes.


SUMÁRIO

- Parte 1 - O Inimigo

- Parte 2 - O Forte

- Parte 3 - O Lago


O INIMIGO

O silêncio é o que mais lhe impressionava.

Batalhas mexem com todos os seus sentidos. Deixam impregnado em seu nariz o fedor e o gosto de sangue, entranhas e excrementos. Fazem você tremer pelo fato de ainda estar vivo, ou prestes a morrer. Gravam em sua mente imagens que lhe atormentarão para o resto da vida, se você sobreviver.

E existem os sons.

Na verdade, os sons de uma batalha são o que mais causam impacto. Aqueles que fazem você ficar pregado no chão ou se mover rumo à morte, com uma covardia ou coragem que você nem sabia que tinha. Toda batalha tem seus sons, até mesmo quando elas terminam. Sons de morte, que vem com a derrota. E de regozijo, com a vitória.

Ele sabia de tudo isso, pois lutou em incontáveis batalhas. Por esse motivo estava tão surpreso. Pois não conseguia ouvir nada. O silêncio era tanto que, mesmo a quase 50 metros de altura, as batidas de seu coração pareciam ecoar pelo campo lá embaixo.

Não havia os gritos dos agonizantes, os pedidos de súplica, os chamados pelas mães. Estavam todos mortos. Da mesma forma, não havia os brados dos vencedores, os desafios proferidos a plenos pulmões, os exaltados clamores pelo simples fato de ter sobrevivido a uma seção de carnificina. O Inimigo o encarava, impassível.

Havia apenas o silêncio.

Essa batalha não fora como as outras. Ela até começou bem, com as tropas posicionando-se exatamente conforme planejado pelo Conselho Adamante. Como era o Inimigo que marchava em sua direção, os defensores puderam escolher o melhor terreno, mais alto em relação ao amplo descampado e às bordas de uma floresta. Informações de inteligência davam conta de que o Inimigo não usava fogo em suas batalhas, então a escolha pela proteção da floresta mostrara-se perfeita, pois daria cobertura para os Filhos de Eamana, impedindo que o Inimigo usasse suas montarias para investir contra os leves arqueiros cegos.

No campo a disposição também foi cuidadosamente planejada. No flanco esquerdo ficaram os Escudeiros Latifoliados e os Lanceiros Acicufoliados, eternos rivais, mas que formavam um par perfeito, com a defesa dos primeiros e o ataque dos últimos.

No centro da formação estavam as garbosas tropas dos Dragões Imperiais da Pangeia, que enfeitavam suas couraças e chifres com fitas das cores mais diversas, cada um querendo se destacar mais do que o outro. Iam para a luta sem armaduras ou armas, acreditando que a honra viria da vitória conquistada a dentadas.

Já o flanco direito ficava à cargo da Guarda Montada de Entomon. Ficavam o mais distante possível dos Escudeiros e Lanceiros, pois a proximidade levaria seu cheiro até suas montarias e as distrairiam. Não seria nada fácil conter aqueles monstros de seis patas, três vezes maiores do que qualquer soldado no campo, se eles acabassem descontrolando-se.

E, por fim, à frente de todos eles, a melhor tropa de todas: a Brigada Plúmbea. Nunca perderam uma batalha, nem recuaram um passo sequer. Equipados com armaduras que pesavam mais do que seria imaginável, formavam uma linha sólida, que deveria conter o avanço inicial do Inimigo e daria a oportunidade para o ataque feroz dos outros três conjuntos militares.

Fora difícil reunir todos eles. Muitos eram inimigos políticos regionais de longas datas, como os latifoli e os acicufoli, ou tinham inimizades filosóficas, como os pangeii e os plumbei. Mas, no fim das contas, o medo do Inimigo os uniu.

Como disse, a batalha começara bem, tudo conforme o planejado. Até o Inimigo chegar.

Ele não estacionou e encarou as forças reunidas à sua frente. Simplesmente continuou a marchar em sua direção. Em silêncio. Sempre em silêncio.

Os rumores dos agentes de inteligência eram difíceis de acreditar, mas pelo visto eram verdadeiros. O Inimigo lutava e vencia suas batalhas completamente em silêncio. Não havia voz de comando para guiá-lo ou gritos de dor quando havia feridos. Nem suas armas pareciam tilintar, ou suas botas batucar o solo enquanto marchava.

Foi essa visão, ou audição, que pôs tudo a perder.

A Brigada fez jus à sua fama e conseguiu conter o avanço do Inimigo, enquanto as flechas certeiras dos eamani escureciam o sol e iniciavam a carnificina. Em um dado momento, no entanto, não conseguindo controlar suas montarias que estavam atormentadas pelo silêncio sinistro, os entomoni abandonaram o flanco direito da formação e foram em direção ao esquerdo, pisoteando os Dragões no meio do caminho e criando um caos completo, que permitiu que a linha Plúmbea fosse cercada e desfeita do único jeito possível: sendo atacada por trás.

As criaturas gigantescas atravessaram o campo e foram dilacerar os Escudeiros e Lanceiros. Eles não tiveram a menor chance. Em menos de 10 minutos, o descontrole das montarias dos entomoni mudou a carnificina de lado e transformou o que parecia uma vitória certa, na derrota que ele agora vislumbrava empoleirado em seu Forte, construído na copa da mais alta árvore da floresta.

Depois de eliminar a última montaria, sempre sob a chuva de flechas eamani, o Inimigo marchara em direção à floresta e vencera facilmente a resistência dos guerreiros cegos. Agora, estava logo abaixo do Forte, parado pela primeira vez.

Esperando por ele.

Continua...


Esse conto foi escrito por Gabriel Franklin para o Contos Iradex. Para reprodução ou qualquer assunto de copyright o autor e o blog deverão ser consultados.


Sobre o autor: Gabriel Franklin é formado em Direito e cursa Letras pela Universidade Federal do Ceará. Trabalhou muito tempo como atendente de uma das maiores livrarias do Brasil e dedica-se, desde 2013, a dar opiniões no Iradex, tanto no site como no podcast. Seu objetivo? Ler todos os livros do mundo.
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