These Memories Won't Last | Amostra Grátis de HQ | Iradex

These Memories Won't Last | Amostra Grátis de HQ

Um dia, eu tava em frente o computador trabalhando e a minha amiga Brendda Lima, da página Vanilla Tree, chegou pra mim pelo chat do Facebook, mandou um link, e disse "lê essa coisa linda". Cliquei e fui direcionado para um site que mostrava uma frase sendo formada aos poucos.

Quando você olha para trás em sua vida, que memórias você escolheria para compartilhar?

these memories wont last eisner 2016É essa a pergunta que te faz a HQtrônica These Memories Won't Last, de Stuart Campell, logo que você entra no site em que ela se hospeda. A frase se forma pouco a pouco, enquanto uma linha vermelha mais riscando a tela, mostrando o carregamento da história que em breve você irá ler. E que história! Como Stuart mostra depois de nos ensinar intuitivamente com um SCROLL que aquela é uma HQ que você vai ter que interagir, essa é uma "pequena história sobre seu avô".

Grande parte de nós está acostumada com HQs de papel, aquelas em que se viram folha a folha para ler a história, ou HQs na web, estáticas, paradas, como as tiras no Facebook. Acontece que as HQtrônicas, neologismo criado pelo professor Edgar Franco em seu livro "“HQtrônicas: do suporte papel à rede internet”, trazem um novo aspecto para a linguagem quadrinística.

(HQtrônicas são) quadrinhos que unem códigos da linguagem tradicional das HQs do suporte papel com as novas possibilidades abertas pela hipermídia. A palavra surgiu da contração de “HQ” (História em Quadrinhos) com o termo “eletrônica”. De acordo com o autor (Edgar Franco), essa expressão exclui as HQs que são simplesmente digitalizadas sem usar nenhum dos recursos hipermidiáticos. (PRADO, Joana. HQTrônicas e Realidade Aumentada (RA): Novas Potencialidades Narrativas)

Já mostrei anteriormente, aqui no Amostra Grátis de HQ, algumas HQtrônicas resultantes dos experimentalismos pioneiros do Boulet. Mas em These Memories Won't Last, Stuart Campbell extrapola limites, criando um ambiente imersivo que reúne imagens, palavras, programação, música e interatividade. O autor narra a história de como a saúde do seu avô que, após a morte de sua avó, deteriorou-se rapidamente. A trama narra os esforços do avô de Stuart em manter intacto as memórias que ele sempre preservou, e como aos poucos seu cérebro foi embaralhando acontecimentos, criando narrativas conspiratórias e como isso afetou sua relação com seus filhos, seu neto (Stuart) e os demais ao seu redor.

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O avô de Stuart nasceu na Hungria, em 1922, e chegou a participar da Segunda Guerra Mundial. Na velhice, sua mente faz passado e presente serem a mesma coisa, as memórias se embaralham, bombas se misturam com o barulho do hospital, e nós somos levados, literalmente, pelo fio narrativo (uma linha vermelha que perpassa toda a HQ) para dentro da cabeça do protagonista. Por vezes, a tela fica muito embaçada, quase impedindo por completo a leitura de um quadro, de uma palavra. Ou seja, nós somos o avô de Stuart, nós estamos perdendo nossas memórias. Mais do que um quadrinho, estamos presenciando uma experiência.

"Gastei muito tempo da minha vida vendo amigos morrendo."

A sensibilidade, o apuro técnico, a beleza e a forma como elementos tão distintos se reuniram para fazer uma HQtrônica de tamanha qualidade fizeram These Memories Won't Last ser indicada ao Eisner Awards de 2016, maior prêmio da indústria estadunidense de quadrinhos, na categoria Melhor Webcomic/Quadrinho digital.

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Dificilmente choro com quadrinhos. Lembro de ter marejado os olhos com O Cão que Guarda as Estrelas e ter derrubado duas ou três lágrimas com A Propriedade. No entanto, These Memories Won't Last mexeu comigo de forma mais enfática, me vi chorando e chorando. Tenho uma mãe de 70 anos e não faço ideia de como reagiria se um dia ela esquecesse quem eu sou, as coisas que vivemos juntos. Nasci e cresci com as histórias delas, sendo repetidas e repetidas, como as bolinhas de um rosário. São essas histórias que formam a minha mãe, que a compõem, assim como braços, pernas, nariz, olhos, boca. Me amedronta a ideia de que um dia tudo isso possa ir embora.

E no fim das contas, todos nós temos que admitir que as memórias, nossas e dos nossos amados, não irão durar para sempre.

Conhecendo mais da obra