Sabe aquele filme que você nunca viu, ou aquele livro que você nunca leu, ou até mesmo aquela série que você não acompanhou, mas que todo mundo diz que é obrigatório e você não sabe por quê?
Maus é uma dessas obras e eu vou tentar te dar 5 razões, bem objetivas, de porque você deve dar uma chance a ele.
A História de um Sobrevivente
Acredito que todo mundo, em algum momento da vida, se pergunta pra onde quer ir. Mas há também aquela fase da vida onde a gente se pergunta de onde veio. Se o nosso interesse não recai em ancestrais mais remotos, ele ao menos se contenta com os mais próximos, os nossos pais.
E é justamente num desses momentos, que o ilustrador Art Spiegelman resolve reviver a história de seus pais, que sobreviveram a um dos períodos mais obscuros da História, o Holocausto.
Depois de entrevistar exaustivamente seu pai, e perceber que ele “sangra História”, Art resolve contá-la da forma como ele mais sabe: desenhando.
Maus: A Survivor’s Tale foi publicado em forma seriada entre 1980 e 1991, e posteriormente reunido em uma única graphic novel. Ganhou diversos prêmios, como o Eisner (o Oscar dos quadrinhos) e o Pulitzer, e entrou praquelas listas de obras obrigatórias.
Agora, vamos ao que interessa, e eu vou te dizer por quê.
1 – Animais
Acima de tudo, Maus é sobre pessoas. Não só as que sobreviveram, mas também as que ficaram pelo meio do caminho devido às atrocidades que nós, seres humanos, somos capazes de cometer.
Como forma de alegoria, às vezes com o objetivo de satirizar e outras de chocar, Spiegelman resolveu retratar os personagens de sua história como animais, de acordo com sua nacionalidade ou etnia.
Assim, temos Ratos (Judeus), Gatos (Alemães), Porcos (Poloneses), Cachorros (Americanos), Sapos (Franceses), Ursos (Russos), Renas (Suecos), Peixes (Ingleses) e Libélulas (Ciganos).
Não precisa nem dizer que o fato de o autor ter retratado os judeus como ratos gerou bastante polêmica, mas é um bom exercício tentar identificar as características que ele desejou passar com a antropormofização dos animais.
2 – Pai
O pai de Art, Vladek Spiegelman, é sem dúvida o personagem principal da história (até porque é ele quem a narra).
Mas como o quadrinho alterna momentos no passado (1935-1945), com momentos no presente (quando Art o entrevista, por volta de 1980), podemos acompanhar também os seus defeitos, o que nos dá oportunidade de conhecer o outro lado do herói.
Vladek se mostra um sobrevivente nato antes mesmo da guerra eclodir, sempre com ideias e projetos empreendedores. Mas essa certa admiração que percebemos vinda do filho contrasta, muitas vezes, com a avareza com que ele retrata o pai durante suas entrevistas, como que mostrando as profundas cicatrizes que o Holocausto lhe deixou.
Tentar compreender como ocorreu essa transformação (se é que ela existiu) é mais um elemento que lhe prende à medida que a história se desenrola.
3 – Filho
Da mesma forma, mudanças também ocorreram no próprio Art. A história de seus pais acabou se tornando uma obsessão para ele, que nunca tinha se dado conta de muitos detalhes da própria vida.
É perceptível também certo sentimento de culpa, que cresce à medida que a narrativa de seu pai avança rumo ao desfecho. Quase como se a vida de pai e filho estivesse ligadas pelo sofrimento, mas o de um é mais nobre que o do outro. Resta saber o de quem.
Basta uma rápida pesquisa googlística sobre o autor pra perceber que muitos acontecimentos, inclusive alguns bem pesados, são inseridos no quadrinho de forma bem fiel. Outros são mais romantizados, mas não descaracterizam a obra como sendo autobiográfica.
4 – Holocausto
Por mais que, como dissemos, Maus seja uma história sobre pessoas, o plano de fundo acaba se tornando também personagem. E que plano de fundo!
O tema é pesado, como não poderia deixar de ser. O extermínio de mais de 6 milhões de pessoas não pode ser ignorado ou abrandado, em qualquer representação que se preze a passar a gravidade do que realmente aconteceu.
Mais um grande mérito da obra é a forma como acontecimentos tão complexos são passados de forma quase que didática.
Os fatos históricos de conhecimento público, somados às experiências únicas vividas por Vladek e sua família, compõem um panorama bastante esclarecedor sobre todo o processo de segregação étnica ocorrida antes e durante a Segunda Guerra Mundial.
Como a narrativa é bastante linear, você realmente acompanha todas as fases do Nazismo, desde o início político dissimulado nas cidades alemãs e polonesas, até a escancarada e assombrosa "Solução Final" dos campos de concentração.
5 – Qualidade
Por fim, além dos personagens e do plano de fundo, a qualidade gráfica do quadrinho impressiona.
Spiegelman consegue passar realmente em seus traços todas as emoções que o tema exige: medo, incerteza, esperança. As expressões são tão vivas que vocês às vezes vai esquecer que os personagens são animais.
O quadrinho também conta com algumas imagens reais da época, fruto da pesquisa do autor, que foi intensa. As localizações na Polônia, Alemanha, Suíça e Estados Unidos estão muito bem retratadas, tendo o autor inclusive visitado o Campo de Auschwitz, onde seus pais ficaram enclausurados em 1944.
Não é a toa que o trabalho completo demorou mais de 10 anos para ficar pronto.
Aqui no Brasil, Maus é publicado pela Companhia das Letras, através do seu selo Quadrinhos na Cia, que conseguiu manter a qualidade no mesmo nível da edição original.
Bem, essas foram as razões porque acho que Maus merece ser lido. Agora, se você vai gostar são outros quinhentos. =D