Nessa semana, vou falar um pouco de um dos compositores mais importantes pra história da música, e um dos meus preferidos: Antonio Vivaldi.
O fato é que ele conhecido é principalmente por apenas uma de suas obras, “As Quatro Estações”. Mas eu garanto pra vocês que ele tem muito mais a oferecer!
O Padre Vermelho
Nascido em Veneza no mesmo dia que o terremoto de 1678 sacudiu a cidade, Vivaldi teve uma infância complicada. Sexto filho de um barbeiro que se tornou violinista, ele cresceu alternando problemas de saúde com aulas de violino. Cedo, mostrou-se um excelente violinista e fez algumas excursões com seu pai, quando a saúde deixava. Obrigado pela mãe a se tornar padre (promessa feita por ela caso todos sobrevivessem ao terremoto), Vivaldi foi transferido para um orfanato após sua ordenação, aos 25 anos.
O orfanato, Ospedale della Pietà, era bastante conhecido na Europa por seu coral feminino, que era requisitado para se apresentar nas festas da nobreza e da realeza. Isso se mostrou de extrema importância para Vivaldi, pois como ele escrevia as obras que o coral apresentava, logo ele também ficou conhecido por toda a Europa. Tendo sido dispensado das obrigações eclesiásticas devido a sua saúde, o Padre Vermelho (alcunha que recebeu por causa de seus cabelos ruivos) pode se dedicar completamente à música, compondo a maior parte de sua obra durante o tempo que trabalhou no orfanato.
Por volta de 1710, ele resolveu tentar a sorte nas cortes europeias, escrevendo no estilo de música que estava na “moda” na época entre a nobreza: a ópera. São mais de 40 óperas que foram compostas por ele, encomendadas pelos mais variados patronos.
É nesse período de relativo sucesso que ele escreve os quatro famosos concertos para violino, cada um inspirado numa estação do ano. Para acompanhar os concertos, Vivaldi escreveu quatro sonetos, contendo descrições do que você deveria visualizar em cada estação. O combo poesia + música foi publicado pela primeira vez em 1725, e desde então imortalizou seu nome.
Nessas suas idas e vindas (ele voltou a trabalhar no orfanato durante um tempo), Vivaldi acaba se estabelecendo em Viena, sob a proteção do Imperador Carlos VI, compondo e ensinando violino na corte austríaca. Quando o Imperador morreu, em 1740, Vivaldi rapidamente viu-se sem nenhuma renda ou proteção. Do mesmo jeito que seu sucesso foi meteórico, sua queda também. Um ano depois, Vivaldi morria sozinho, numa casinha nas cercanias de Viena. Diz-se que morreu de fome e de frio, ou de infecção generalizada (ou tudo isso e muito mais). Seu funeral não teve música.
Por que ouvir?
Vivaldi está inserido no período da música conhecido como Barroco, que vai aproximadamente de 1600 até 1760. Esse período ocorre logo depois da Renascença, e traz inúmeras inovações para a música, como técnicas instrumentais e teóricas que possibilitaram o florescimento da criatividade dos compositores. Os verdadeiros frutos dessa revolução na música seriam realmente observados nos períodos clássico e romântico, que o sucederam.
Basicamente, o barroco se divide em dois tipos de música: a sacra (feita pra Deus) e a frívola (feita pros homens, os nobres). Obviamente, os compositores espertos ficavam alternando entre esses dois caminhos, pra cair nas graças tanto do clero quanto da nobreza, com o cuidado de nunca ofender nenhum dos lados. Vale lembrar que nessa época, compositor famoso era aquele que tinha uma padrinho (um mecenas), de preferência poderoso e hyko.
Nesse contexto, Vivaldi tem uma importância imensa na história da música, principalmente por ele ter sido padre. Sua obra sacra é belíssima, e dentro dos ditames costumeiros da época. Mas sua obra frívola é que é realmente interessante. Como ele era um exímio violinista, suas composições trazem um nível de dificuldade incomum para a época. Ao invés de simples floreios e repetições, a música de Vivaldi (principalmente os violinos) traz a perfeita junção de técnica e beleza.
Outra contribuição importantíssima foi que ele popularizou o concerto como conhecemos hoje. O concerto já teve inúmeros formatos e propósitos, mas em Vivaldi ele assume sua forma mais completa, com geralmente 3 movimentos (2 rápidos e 1 lento), quase um espelho da sonata, diferenciando-se desta pelo fato de trazer uma orquestra além do instrumento solista. Ele mostrou também que qualquer instrumento poderia ser objeto de concerto, compondo obras para praticamente todos os instrumentos.
O sagrado e o profano estão sempre conversando em sua obra, ainda que de forma sutil. Isso influenciou muito outro compositor barroco (do qual tenho muito o que falar pra vocês) chamado Johann Sebastian Bach. Apesar de contemporâneos, foi após o sucesso de algumas composições de Vivaldi que Bach “se soltou” um pouco mais e compôs obras revolucionárias para a história da música.
O que ouvir?
Acho que fica meio óbvio falar de Vivaldi e indicar As Quatro Estações. Por isso, vou tentar indicar outras obras que acho que vocês vão gostar.
La Tempesta di Mare – Também conhecida como RV 433, essa é, sem dúvida, uma das minhas músicas preferidas. Primeiro de uma série de 12 concertos para flauta que Vivaldi compôs por volta de 1720, ou seja, antes das Quatro Estações, ele recebeu esse nome por simular as fases de uma tempestade sobre o mar. O tema não é inédito no cenário da música barroca, mas a forma como é executado o RV 433 é única. Você claramente percebe o embate entre um barquinho (a flauta) e o vento (as cordas), temperado pela chuva que cai incessante (o cravo). Interessante que ora os dois vão na mesma direção, ora vão em direções opostas. Mas, o mais inusitado de tudo é que Vivaldi não podia tocar flauta, pois sofria de asma (além de outras coisas), então seus concertos para flauta estão entre os mais complexos de se tocar (atrás talvez apenas dos de Mozart), fruto talvez da frustração do compositor.
Sonata para Violoncelo em Mi menor, Op. 14, nº 5, RV 40 – Junto com a flauta e o piano, o violoncelo é meu instrumento preferido. Em todas as músicas, até em sinfonias, eu sempre vou buscar aquele som grave. O que dizer então de peças que são compostas só pra ele? O barroco explorou muito as sonatas para cello, (principalmente Bach) mas essa do Vivaldi é simplesmente incrível! Ele faz coisas que nós só veríamos novamente quase um século depois com Beethoven. Talvez tenha sido um dos primeiros compositores a realmente valorizar o instrumento como solista, tentando explorar suas possibilidades. Destaque pra inversão que ele faz nessa sonata, começando com um movimento mais lento, o Largo, pra depois pra passar pra um mais agitado, o Allegro, e explodir sua cabeça.
Concerto para Alaúde e 2 Violinos em Ré maior, RV 93 – Como falei antes, Vivaldi inovou na sua tentativa de fazer concertos para praticamente todos os instrumentos. Por isso, resolvi trazer como indicação pra vocês um dos vários que ele compôs para alaúde, instrumento bastante comum na música renascentista, mas que foi perdendo espaço no barroco e nos períodos seguintes. O som é basicamente de um violão (pra quem leu as Crônicas do Matador do Rei e se perguntava como soavam as músicas do Kvothe), e casa perfeitamente com as cordas. É praticamente uma conversa.
Onde já ouvi?
Difícil você ter chegado até esse ponto da sua vida sem ter ouvido As Quatro Estações, seja num casamento, seja em algum filme (lembro de já ter ouvido até em uma cena de novela). Partes dos concertos já foram adaptadas para vários outros estilos musicais (até metal). Mas vou deixar aqui pra vocês a apresentação que mais gosto, com regência de Herbert von Karajan e a incrível Anne-Sophie Mutter no violino principal.