Se você já ouviu o nome Patrick Rothfuss em algum momento da sua vida de leitor, provavelmente espera que esse texto seja para anunciar o tão aguardado terceiro livro das Crônicas do Matador do Rei. Sinto muito em lhe frustrar, pois até onde eu sei, não existe nem previsão para esse lançamento. Na verdade, hoje falaremos sobre a última publicação do Pat, que é tão boa quanto as anteriores, só que um pouco... diferente.
A Música do Silêncio (The Slow Regard of Silent Things) foi pensado originalmente para ser um conto presente no livro Rogues, cuja organização estava a cargo de ninguém menos que George Martin (o escritor, não o cantor). No entanto, assim como acontece em tantos outros casos com tantos outros autores (e eu só acreditei realmente nisso depois que comecei a escrever meu próprio livro), a estória fugiu do controle e acabou se tornando bem maior do que o esperado. E outra, não tinha mais nada a ver com o tema da antologia, que iria ser uma espécie de homenagem aos trambiqueiros e trapaceiros. Isso porque o personagem principal (ou único) da estória é Auri. E pra quem a conhece, sabe que de trapaceira ela não tem nada. Na verdade, acho que nunca vi personagem tão íntegro.
Um lugar aprazível bem incomum
Aqui vale repassar duas ressalvas feitas pelo próprio Rothfuss no prólogo do livro. A primeira é para você que ainda não leu O Nome do Vento e O Temor do Sábio. Logicamente você nunca ouviu falar da Auri; então, sua compreensão e imersão na Música do Silêncio não serão satisfatórias. O ideal é que você volte e conheça a história principal das Crônicas do Matador do Rei para poder desfrutar (ou não) dessa outra visão dos Subterrâneos.
A segunda ressalva é para você que já leu os outros livros dele, mas que está esperando encontrar na Música do Silêncio uma continuação das aventuras de Kvothe. Você não vai! Simples assim. Apesar de que, se você tiver um olhar arguto, ou se for um maníaco das conspirações, pode encontrar detalhes bem interessantes sobre o universo criado por Rothfuss.
O coração oculto das coisas
[blockquote]“Pobrezinha. Ser tão encantadora e tão perdida. Toda cheia de respostas, como todo aquele saber aprisionado do lado de dentro. Ser linda e quebrada.”[/blockquote]
Não há outra forma de descrever o livro a não ser com o seguinte adjetivo: lindo.
O enredo se desenrola nos Subterrâneos, embaixo da Universidade, mas visto pela ótica da Auri. Ou seja, todos os locais tem nomes que só ela sabe, e todos os objetos tem personalidades que só ela percebe. Isso faz com que ambos, os locais e os objetos, sejam coadjuvantes da estória, contracenando com Auri em vários momentos, das maneiras mais inusitadas. Acompanhamos suas andanças ao longo de sete dias, procurando presentes para “alguém” que irá chegar.
A sutileza de Auri ao perceber como o mundo funciona e, diante disso, aprender a muitas vezes deixar sua vontade de lado frente ao modo certo de fazer as coisas é tocante. Quebra imensas barreiras que criamos ao longo dos outros livros, achando que ela é “apenas uma doidinha”. No fim das contas, se você realmente fizer a conexão certa, vai perceber que ela é a mais lúcida por ali.
Mais uma vez me deparei com um livro que descreve a solidão de uma forma inusitada. Auri, por mais sozinha que seja, não parece se preocupar tanto com a sua solidão na maior parte do tempo, procurando ficar bem consigo mesma. Sua preocupação maior é com a solidão dos objetos, sempre dando um jeito de conseguir uma companhia para cada um, pois todo mundo merece ser feliz. Esse altruísmo é algo que impressiona a princípio, mas que se analisado com calma, já tinha sido assinalado em outras aparições da personagem ao longo dos livros.
Após o término da estória principal, há um posfácio que vale tanto quanto o restante do livro. Nele, Rothfuss dá mais alguns detalhes acerca da criação da obra (deixando de fora as origens das ilustrações), bem como faz um pedido de desculpas aos leitores. Ele assume que talvez esse não seja um livro para todo mundo, que talvez somente algumas pessoas vão entender realmente o seu objetivo. Dá até a dica de ler mais de uma vez (segundo ele, seus livros são melhores na segunda leitura). O fato é que admite que o escreveu “para todas as pessoas meio abatidas que existem por aí.”
Se você é uma delas, assim como eu e o autor, lave seu rosto, suas mãos e pés, e prepare-se para embarcar e descobrir o coração oculto das coisas.