Speak to Me / Breathe é um conto escrito por Gabriel Franklin e distribuído em primeira mão aqui no Contos Iradex. Embarque nessa leitura.
Speak to Me / Breathe
... 13, 14, 15. Assopra. Assopra.
Nada.
1, 2, 3 ...
Decidiu ser bombeiro quando tinha 8 anos. A decisão veio depois de ver como eles conseguiram apagar um incêndio no fim da rua. Ficou deslumbrado com os uniformes, os capacetes, os carros e as sirenes. Eram super-heróis, só que de verdade. De carne e osso. Ali, do outro lado da rua.
Mas havia um problema: tinha medo de altura. Como um bombeiro poderia ter medo de altura? Como subiria naquelas escadas ou saltaria dos helicópteros? Só de pensar isso lhe causava vertigens. E tristeza. Uma tristeza profunda pelo sonho de sua vida não poder ser realizado por algo que ele nem mesmo sabia o motivo.
... 4, 5, 6 ...
Indignado com seu destino, resolveu lutar contra o medo. Sempre que tinha chance, tentava se colocar em situações onde poderia superá-lo. Quando a bola caiu no telhado, foi o primeiro a se oferecer a ir pegar. Subiu nos galhos mais altos da árvore que havia no quintal de sua casa. Mas, infelizmente, o que ganhou com isso não foi o sucesso de vencer seu medo, mas sim um braço quebrado (no caso da árvore) e a humilhação pública de ficar no telhado até um adulto subir em uma escada para lhe descer.
Desistiu. De vencer o medo e, consequentemente, do seu sonho. Quando já estava resignadamente entrando na fase de escolher uma nova carreira, seu sonho se reacendeu. Descobriu que havia um grupamento no Corpo de Bombeiros onde ele não precisaria lidar com alturas: salvamentos aquáticos. Não teria um capacete ou andaria nos carros com aquelas sirenes, mas usaria um uniforme vermelho e seria um super-herói.
... 7, 8, 9 ...
Quando fez 18 anos e saiu da escola, prestou concurso para o Corpo de Bombeiros e juntou-se ao Grupamento de Guarda-vidas. Durante o treinamento, destacou-se como um dos melhores da turma e fez amizades para a vida toda. Formou-se com honras e serviu à corporação durante 35 anos.
Foram mais de 200 salvamentos, 50 resgates em alto-mar e até um parto. Um recorde. Mas não tão significativo quanto o fato de que, em seu turno, nunca houvera uma morte. Nenhumazinha sequer.
... 10, 11, 12 ...
Seus colegas brincavam dizendo que ele tinha o corpo fechado e que a Morte não gostava dele. Todos eles tiveram sua cota de fatalidades durante a carreira, e tentavam lidar com isso da melhor forma possível. Muitos viraram alcoólatras. Outros assumiram turnos da noite, por não conseguirem mais dormir. Alguns inclusive diziam que já estavam tão acostumados, que viam constantemente uma figura de capuz preto rondando suas casas.
Ele nunca tivera esse problema. Não tinha necessidade de vícios e sempre dormira tranquilo.
Até hoje, um dia depois da sua aposentadoria.
... 13, 14, 15. Assopra. Assopra.
Nada.
Interrompeu o processo de ressuscitação cardiorrespiratória para tentar ouvir alguma coisa. Por mais estranho que parecesse, estava alheio à balbúrdia e ao desespero que lhe rodeava. Tentava se concentrar apenas no som que parecia ouvir agora. Batidas de coração. Um fio de esperança surgiu em seu âmago, mas rapidamente foi cortado pela lâmina afiada da compreensão de que as batidas eram do seu próprio coração, e que o som que ele realmente esperava não viria. Aquele coraçãozinho jamais bateria novamente.
Foi com lágrimas nos olhos que ele viu a figura de preto afastando-se de mãos dadas com o menino, e lembrou-se daquele dia, 35 anos atrás, quando em sua formatura como bombeiro fez um pedido aos céus para que toda a dor das pessoas que ele salvasse fosse revertida para ele.
E agora ele sentia toda essa dor.
Esse conto foi escrito por Gabriel Franklin para o Contos Iradex. Para reprodução ou qualquer assunto de copyright o autor e o blog deverão ser consultados.