Estando absorto em seus pensamentos, um escritor depara com um olhar felino. O que aqueles olhos querem dizer?
A Gata de Minha Sobrinha é um conto escrito por Cicero Junior, distribuído em primeira mão aqui no Contos Iradex. Embarque nessa leitura.
A Gata de Minha Sobrinha
Sentado em meu quarto, escrevia mais um triste conto, quando olho para o espelho e deparo com a imagem da gata negra de minha sobrinha.
Era noite e eu estava só.
Em um primeiro momento não fiquei impressionado com a visão, pois era costumeiro que o animal adentrasse em meu quarto e, com o espelho sobre minha escrivaninha, podia ver toda extensão que cobria minhas costas.
No entanto, diferente de outras vezes, a peralta sustentou seu olhar como se quisesse encarar-me, quase que olhando dentro de mim. Estremeci um pouco, mas como meu ceticismo impede-me de acreditar no sobrenatural, apenas levantei e enxotei o animal.
Continuei concentrado nas palavras que escrevia até levantar o rosto do papel e perceber que a gata novamente lá estava a observar-me, sempre com uma fixação quase humana.
Dessa vez fui pego de surpresa e libertei um leve espasmo seguido de um suspiro.
Permaneci um tempo imóvel, observando aquele olhar que me engolia e ao mesmo tempo queria dizer-me algo, mas não sabia o que.
Mais uma vez expulsei-a do recinto e, desta vez, resolvi trancar a porta a fim de que não houvesse mais obstruções.
Sentei em minha velha cadeira e prossegui com meu escrito sem preocupar-me com novas interrupções.
Então, enquanto preparava a finalização minha obra, ouvi um miado contido.
Não pude acreditar, uma vez que tranquei a porta, mas, ao verificar o espelho, lá estava ela, a pequena assombração que teimava em perturbar meus afazeres e minha consciência.
Fiquei estarrecido, com um batimento cardíaco incontrolável que se via pelo subir e descer de minha camisa. Foi o momento que cheguei mais próximo de rezar a algum deus.
A gata então se aproximou, pulou em meu colo e encarou-me fixamente.
Sim! Era a minha alma que ela via e temi por isso. Aqueles dois olhos amarelos e suas fendas profundas arrastavam-me para uma onda de terror que tragou minha consciência.
Então a gata desceu e parou próxima a porta esperando que eu a abrisse. Depois que o fiz, ela partiu da nossa casa para aparecer morta no dia seguinte.
Mas, nas noites que fico só a escrever meus textos, ainda escuto seu miado e vejo seu reflexo em meu espelho. Nunca serão esquecidos aqueles olhos amarelos e aquelas fendas profundas...
Esse conto foi escrito por Cicero Junior para o Contos Iradex.
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