Certo autor disse uma vez que a vingança é o orgasmo do ego. Uma forma branda e poética de classificar a pura retaliação, debatida incessantemente pela filosofia e por diversos pensadores ao longo da nossa história. Conceitos de equilíbrio e compensação que se entrelaçam com o milenar “olho por olho”, gerando interpretações que parecem nunca chegar a um lugar comum. Mas por definição, é necessário que alguém sofra para que o outro alcance o alívio consequente. A vingança é o tema central de Confessions (kokuhaku), um poderoso longa-metragem japonês de 2010.
Baseado em um livro da autora Kanae Minato de 2008 e tachado mundialmente como o rival espiritual do coreano Oldboy, o filme de Tetsuya Nakashima é um recorte do lado mais frio e obscuro da nossa sociedade moderna.
A história tem início quando a professora do ensino fundamental Yuko Moriguchi anuncia que está se despedindo da sua turma e da escola onde trabalha. Na sala de aula ela conversa com os alunos sobre a morte recente de sua filha, a pequena Manami, encontrada afogada na piscina. Saturada por tragédias pessoais, Moriguchi já carregava a dor da separação do marido acometido por HIV. Mas nada se comparava a certeza de que sua criança não havia se afogado acidentalmente, mas fora assassinada por dois dos seus alunos. Sentados diante dela e amparados por leis que não puniriam indivíduos naquela faixa etária. Restou a professora elaborar sua própria maneira de lidar com a reparação.
O filme transita entre o passado, presente e futuro dos afetados pelo evento, alternando os pontos de vista. A cada retorno, novas camadas da trama são reveladas e os personagens tornam-se ainda mais complexos e o espectador mais imerso.
A cadência comedida da narrativa pode irritar aqueles que necessitam de um cinema mais imediato e a fotografia melancólica e intimista talvez gere estranheza. Mas é aí que o diretor Tetsuya Nakashima acerta a mão. Existe um sentimento de desolação pairando durante toda a projeção e que dialoga diretamente com o tema. Além de personagens moralmente dúbios e encobertos por sombras com contornos barrocos. Um chiaroscuro “suavizando” suas ações mais intensas. Não há espaço para violência plástica ou gratuita.
Confessions toca na ferida. A coletividade que anula o indivíduo e nas linhas que somos capazes de cruzar em nome da aceitação. Seja em um pequeno grupo. Seja na sociedade como um todo.
NOTA: 8 pintinhos que sentiram um aperto no coração quando a trilha tocou Last Flowers do Radiohead.