Qual o sabor da sua infância?
Romã é um conto escrito por Gusta Mociaro e distribuído em primeira mão aqui no Contos Iradex. Embarque nessa leitura.
Romã
No lugar onde cresci, o verde era abundante. Meu pai era paisagista e, diferente do que diz o ditado, em casa de ferreiro tinha espada sim. De São Jorge, no caso.
Eu, garoto maroto, travesso, adorava passar as tardes no quintal. A vida era tão simples. Algumas horas de escola pela manhã e o resto do dia livre para viver loucas aventuras com meus Comandos em Ação.
Um buraco no chão, alguns palitos de churrasco e uma cobertura de folhas se tornavam uma armadilha mortal dos "Cobras". Os carrinhos (geralmente de madeira, ou de alguma outra linha de brinquedos aleatória) eram jipes preparados para enfrentar missões nos terrenos mais difíceis.
Depois de horas e horas de explosões imaginarias, resgates heroicos e alguns bonecos quebrados, a fome batia.
No meio do jardim, que na minha cabeça infante parecia uma floresta, só havia uma árvore frutífera. Por sorte, uma das minhas favoritas.
Eu sentava ali perto do pé de romã e me acabava de tanto comer. O trabalho de tirar cada carocinho de dentro da casca amarga adocicava ainda mais os grãos vermelhos e brilhantes. Era uma delícia.
Lembrei disso um dia desses, enquanto fazia a feira. Na gôndola do mercado ví uma bela romã, enorme, lembrando apenas de leve as pequenas, e quase sempre rachadas, que eu comia no quintal.
Comprei. Apenas uma.
No caixa, o susto. Reviver a infância me custou R$ 15,00. Agora não dá mais pra desistir.
Pensei naquela simpatia de final de ano que recomenda guardar algumas sementes de romã na carteira para que nunca falte dinheiro. Quem tem condições comprar frutas nesse preço não deveria se preocupar com falta de dinheiro, não é mesmo?
Concluí que rico eu era quando podia comer quantas romãs eu quisesse. A infância vai embora, e trocamos bons momentos por um salário. É necessário, mas não deixa de ser triste.
Hoje a casa de meu pai é toda concretada. Não possuí nem um centímetro de terra. Virou uma microempresa.
Me lambuzei na saudade.
Esse conto foi escrito por Gusta Mociaro para o Contos Iradex. Para reprodução ou qualquer assunto de copyright o autor e o blog deverão ser consultados.
Escritor? Nem de longe. Mas um grande fã de boas histórias.