Um velho num banco de praça alimentando pombos com migalhas de pão. Nada demais no cotidiano urbano, apenas mais um. Mas, por mais que nos esqueçamos disso, ninguém é "apenas mais um" e todos têm uma história para contar.
O Velho Padeiro é um conto escrito por Gabriel Morais, distribuído em primeira mão aqui no Contos Iradex.
O Velho Padeiro
Sentado no banco da praça, o velho via a vida passar. Os pombos bicavam o chão, apanhando as migalhas de pão que o senhor fizera dois dias atrás e deixara envelhecer.
- Por que fazer pães para dar aos pombos? Não é mais barato comprá-los? - muitos perguntavam.
- Ora, não faço os pães para os pombos, faço para mim. O problema é que envelhecem. Só então dou aos pombos.
E era verdade. O velho havia sido padeiro há muitos anos. “O melhor da cidade”, se é que um título como esse pode ser dado à um padeiro de esquina. Mas ele era o melhor da cidade.
Todos os dias, a mesma rotina: acordar cedo, preparar a massa, assar os pães, vender aos clientes. Não era uma vida maravilhosa, mas não se pode dizer que era ruim, ele tinha lá seus momentos de alegria. Quando o velho Armindo reclamava que o preço havia aumentado e ele tinha de explicar para o senhor com Alzheimer que não havia mudado coisíssima nenhuma. Ou quando a pequena Emília pedia “dado de presente, sem precisar pagar” um sonho recheado e, após muita conversa e beicinhos, ele invariavelmente cedia. Ou quando o rico e sisudo doutor Machado tirava a máscara de delegado rigoroso e conversava alegre e espontaneamente sobre a mulher e os filhos, sobre a caçulinha Mariana, que nem começou a andar e já quer correr. E principalmente quando Maria, sim, a Dona Maria, mulher do padeiro, brigava com ele porque os pães estavam muito pequenos.
- Assim nós vamos perder clientes, ora! - ela sempre dizia.
E ela estava certa. O velho Armindo morreu atropelado por um carro enquanto vagava sem rumo pela cidade. Emília cresceu e se formou. Trabalha agora em uma empresa grande na capital. O doutor Machado foi promovido e se mudou com a família para uma cidade maior. Ouvira dizer que estava ganhando muito bem. A padaria foi vendida.
Precisavam do espaço para fazer um shopping. Maria foi quem mais perdurou ao seu lado, viu as rugas chegarem ao marido, a vista falhar, o cabelo começar a cair.
Mas, antes que a idade ousasse tocar seu rosto, ou ao menos era como o velho se lembrava dela, algo a levou. Mal súbito, disseram os médicos.
Agora o velho está só. Numa casa com quarto, sala, banheiro e cozinha, ele vive cada dia. Um após o outro. Acorda cedo, prepara a massa, assa os pães. E espera.
Espera, mas ninguém vem para comê-los. Então ele os guarda numa cesta.
- Talvez amanhã alguém venha.
Mas ninguém nunca vem. Resta então esfarelar os pães e dar aos pombos. E esperar que algum dia alguém venha para tomar o café da manhã com ele. Nem que seja o tal mal súbito que levou sua mulher.
Esse conto foi escrito por Gabriel Morais para o Contos Iradex. Para reprodução ou qualquer assunto de copyright o autor e o blog deverão ser consultados.