Uma das tarefas mais difíceis para um escritor é contar uma história original, já que praticamente todas já foram narradas na literatura, contos populares ou amostras audiovisuais. Cabe ao roteirista, o malabarismo de escrever algo que já foi destrinchado em outras mídias e, ainda assim, tornar o conteúdo atraente para o espectador através de sua assinatura estilística e do bom uso das diversas ferramentas de storytelling. É o que o praticamente desconhecido Trey Edward Shults alcança magistralmente no horror psicológico Ao Cair da Noite.
O longa é uma parceria do diretor/roteirista com a produtora A24, que vem se especializando em filmes polêmicos e elogiados pela crítica como os corajosos Sob a Pele (2014), Ex-Machina (2015) e A Bruxa (2016).
O ponto de partida do filme é a ideia de que a humanidade foi assolada por uma doença muito similar a peste bubônica e que os sobreviventes agora vivem isolados sob um clima de paranoia absoluta. Um cenário que já foi usado demasiadamente em The Walking Dead, A Estrada, Os Últimos na Terra, Contágio, Extermínio, Os 12 Macacos, entre outras obras pós-apocalípticas. Mas aqui vemos um recorte intimista focado em uma família liderada pelo atormentado Paul, vivido pelo australiano Joel Edgerton. A casa, onde praticamente toda história se desenrola, é dividida com sua esposa Sarah (Carmen Ejogo) e seu filho Travis (Kelvin Harrison Jr), assim como a rotina rígida: o uso constante de máscaras de gás para atividades externas, o racionamento de alimentos, a forma de se livrar dos infectados e a proibição de sair da residência durante a noite. Porém, o status quo do ambiente é modificado com a abrupta chegada de um estranho, Will, que acaba sendo acolhido.
Ao Cair da Noite foge dos clichês do gênero e talvez não agrade o espectador comum, pois o horror evita o jump scare juvenil e se manifesta na ambientação claustrofóbica, fotografia escura, trilha pontual e no constante clima de apreensão, gerando a progressiva sensação de que algo trágico está prestes a acontecer.
O resultado é um filme que prende do início ao fim, mesmo com sua cadência lenta e silêncios, no qual a tensão é gerada a partir do nosso medo do que vem de fora e do que acreditamos ser a nossa zona de segurança. Uma analogia ao mundo em que vivemos tão contemporânea quanto assustadora.
NOTA: 8 pintinhos que evitam abrir a porta vermelha