Por Guilherme Lourenço
A perturbadora metáfora de Aronofsky
De tempos em tempos surgem aqueles filmes que geram discussões, muitas vezes acaloradas, com relação a sua qualidade, propósito e se devem ser alçados ao panteão de obras inesquecíveis ou deixadas para o ostracismo do tempo e mediocridade. Mãe! de Darren Aronofsky é um destes filmes.
A trama narra o abalo no relacionamento de uma jovem (Jennifer Lawrence) e um poeta (Javier Bardem) devido a chegada de estranhos a sua casa, gerando perturbação no ambiente, anteriormente tranquilo.
Perturbação é a palavra chave para a descrição deste filme, seja ela causada por uma situação social constrangedora ou uma imagem grotesca que brota de algum cômodo da casa. Esta, além de cenário quase que teatral, funciona como um personagem que reage a presença dos demais, passando por mudanças durante todo o processo. A ausência de trilha sonora e a utilização dos sons dos objetos também colaboram para essa sensação de incômodo. Há quem chegue aos risos em situações onde o constrangimento social causando pela postura dos visitantes é grande.
É difícil comentar sobre esta obra sem dar pistas que possam estragar a experiência de quem não assistiu, mas após uma ruptura no segundo ato, algumas das metáforas começam a ficar claras. Porém, não é por isso que a inquietação termina. Entramos numa espécie de turbilhão de crise, revolta, conturbação com doses de surrealismo similar a um atropelamento no paraíso.
A belíssima atuação de Jennifer Lawrence é fundamental neste aspecto, apresentando talvez o seu trabalho de maior amadurecimento. A câmera de Aronofsky constantemente em seu rosto, em closes fechados, pedem essa entrega, exigindo muito da protagonista ao mesmo tempo que ajuda na sensação claustrofóbica e de soterramento causado pelos acontecimentos e visitantes cada vez mais indesejados.
Javier Bardem mantém o mesmo nível da companheira, sendo delicado e seguro, principalmente quando demonstra a face inebriada do escritor que necessita e ama a adulação de seus leitores, mesmo que para isso precise abdicar da tranquilidade de seu lar.
Por tratar-se de metáfora e cheio de alegorias, a experiência pessoal de quem assiste com certeza norteará para a impressão geral da narrativa. O feminino, o ego, a exploração, a fama, a religiosidade e, por que não, até mesmo ambientalismo são abordados e como cada um destes aspectos reverbera na vida de cada um levará a uma sentença, que com certeza não será final, sobre a obra. Para muitos ela soará pretensiosa demais e até mesmo enfadonha. Outros, tocados pela sua íntima visão de mundo, considerarão como uma verdadeira obra-prima. Darren Aronofsky foi capaz de construir uma situação em que somos jogados a um desconforto intrigante, forte o suficiente para gerar diferentes visões e interpretações das muitas camadas.
Mãe! é portanto um difícil parto realizado, não para agradar a todos, assim como um filho que após seu nascimento e crescimento ganha o mundo, causando as mais diversas reações, positivas ou negativas, elevando a obra para a galeria de filmes em que o telespectador não passa incólume.