Por Guilherme Lourenço
Talvez o que torne uma história atemporal seja a sua capacidade de lidar e discutir com os sentimentos humanos mais primordiais. Com absoluta certeza o medo é um deles. Definido como uma perturbação diante de um risco ou ameaça, real ou imaginária, ele não deixa de ser importante para a sobrevivência. Muitas vezes paralisante, a sua presença pode ser constante nas nossas vidas. É na personificação deste sentimento que “IT – A coisa” trabalha em sua camada mais aparente, mas vai além disso.
A história já bastante conhecida por ser uma adaptação do livro de Stephen King e por ter se tornado uma minissérie para TV nos anos 90, tem uma sinopse até simples. No ano de 1989, um grupo de crianças que se auto intitulam “Clube dos Perdedores”, juntam-se para ajudar a investigar o desaparecimento do irmão de um dos integrantes. A cidade de Derry, no estado do Maine, é repleta de casos semelhantes, que levam o grupo a encontrar o responsável por eles, o palhaço grotesco Pennywise.
O enfrentamento ou a paralisia diante do medo é o que se espera de um filme de terror/horror, porém este é um dos aspectos explorados pelo diretor argentino Andy Muschietti. Transição da infância para adolescência, o desenvolvimento das amizades, as primeiras paixões, bullying e abuso são pontos que aproximam esta obra mais a “Conta Comigo”, outro conto de Stephen King, do que ao terror clássico.
Bicicletas, walkmans, New Kids On The Blocks e roupas coloridas trazem um ar nostálgico, leveza e de aventura que nos remetem a vários marcos da cultura pop, assim como a série “Stranger Things”. Fica difícil não lembrá-la, não só pelo plot de crianças desaparecidas, mas a presença de Finn Wolfhard, o Mike do seriado, nos diz isso o tempo todo.
Assim como na série, a relação das crianças, a dinâmica do grupo e suas personalidades é que ditam a narrativa, conquistando facilmente a simpatia do espectador, nos levando algumas vezes ao riso. Nos primeiros minutos, a entidade do mal é apresentada rapidamente em toda sua violência e perversidade, mostrando uma fração de seu poder, dando tempo para que a história se preocupe mais no desenvolvimento dessas relações do que sustos.
Mas não por isso a maldade não está lá. Definitivamente sim e na forma mais humana. Racismo, abuso sexual, negligência e outros preconceitos pontuam a vida dos moradores de Derry, nos causando uma espécie de estranheza pela falta de reação da comunidade. Talvez influência do palhaço dançarino? Seu olhar levemente estrábico, sorriso sinistro e quase onipresença na cidade dá a sensação que seu poder não se limita a lugares escuros costumeiros, se apresentando em diferentes formas e locais, mostrando a capacidade de se adaptar ao medo da vítima.
O diretor opta por mostrar claramente tanto a criatura, deixando praticamente nada a se imaginar, quanto a violência e suas consequências bem graficamente, o que soa estranho para um filme com tantos elementos infantis. Talvez o constante alívio cômico incomode alguns que esperavam mais desespero e sangue. Não se preocupe pois estão lá, fazendo referência a “Carrie, A Estranha”.
Com uma sequência já programada (não se preocupe com cena pós-crédito), It – A Coisa, se encaminha pra marcar a memória de maneira positiva do grande público, tentando o equilíbrio entre o susto, o horror, aventura e a descoberta.