Aquele caubói iria reivindicar a recompensa do homem preso ao seu cavalo nem que fosse a última coisa que fizesse em vida. Com sua tortuosa jornada aproximando-se do fim, decidiu fazer uma breve visita ao famoso Salão Azul.
Farsudeste: Salão Azul é um conto escrito por Arthur Zopellaro e distribuído em primeira mão aqui no Contos Iradex. Embarque nessa leitura.
Farsudeste: Salão Azul
Granada reduziu o galope e passou a caminhar ofegante. John Henry montava o garanhão e levava atrás de si Ashby Randell amarrado à sela. Olhos curiosos estudavam o caubói desde a entrada da cidade.
Henry desmontou e amarrou seu cavalo próximo à entrada do famoso Salão Azul. Não se importou em deixar o prisioneiro do lado de fora. Desde a última tentativa de fuga, Henry passou a amarrar Ashby com uma técnica que aprendera décadas atrás. O prisioneiro não iria a lugar nenhum. Henry estava certo disto.
As portas do salão balançavam enquanto o caubói caminhava lentamente até o bar. Seus olhos apreciavam a arte entalhada no piso de madeira azul enquanto as cabeças alheias o escoltavam. O esporão quebrava o recente silêncio a cada passo de Henry.
Ele entendeu o porquê daquele lugar ser famoso, o piso de madeira era esculpido com diversos desenhos bem trabalhados e tinha uma coloração estranhamente azul.
Um desavisado poderia facilmente confundir o chão com o firmamento de um dia ensolarado se não fosse a arte entalhada. A madeira era polida de certa forma que Henry conseguia se ver refletido no piso.
— Uísque. — O caubói ordenou enquanto se sentava ao bar.
Henry colocou seu chapéu sobre a mesa e se virou para estudar os olhares que o acompanharam. As cabeças se dispersaram retomando a falação.
O garçom abasteceu um copo de uísque.
— Deixe a garrafa. — Seu corpo implorava por álcool. Já estava na estrada há muito tempo, precisaria de mais do que um simples gole.
O caubói virou a dose de uma só vez e logo encheu o copo para mais uma rodada.
— O que lhe trás aqui, Vaqueiro? — A voz o pegou desprevenido. Isto não era bom.
O homem bateu com a mão na mesa deixando um distintivo a mostra. Puxou uma cadeira e se sentou ao lado do caubói. Dois ajudantes aguardavam próximo ao chefe. Os novatos mantinham as mãos sobre seus coldres.
— Caçadores de Recompensa não são bem vindos em minha cidade, rapaz. — disse o Xerife.
O salão ficou quieto novamente. Os civis esqueceram suas conversas insignificantes por um instante. Aquela pequena cidade não via ação há um bom tempo e eles ansiavam por isto.
— Não vim aqui atrás de confusão, xerife.
O homem da lei sentiu um certo alívio. Entretanto, ao olhar no fundo dos olhos do vaqueiro, lembrou-se das faces no cartaz de procurados.
— Estou reconhecendo sua cara. John “Vermelho” Henry, certo?
Henry consentiu entre um gole.
— Devo admitir, suas histórias são surpreendentes mas infelizmente não acredito em metade delas. Tem uma que gosto muito, como era aquela, Jefferson?
O ajudante foi pego de surpresa, limpou a garganta enquanto tentava se lembrar da história.
— John Henry fora cobrar uma recompensa mas havia levado o corpo errado. O próprio prefeito da cidade, que nem armado estava, botou John Henry para correr. Dizem que ganhou seu apelido naquela noite, ficou vermelho de vergonha e saiu correndo. — Jefferson enfatizou o “vermelho”.
O Xerife desabou a gargalhar, seus ajudantes o acompanharam e em seguida o salão inteiro estava rindo. Henry continuou virando suas doses com calma. O Xerife se irritou, ele não gostava de ser ignorado.
— Você é procurado em mais de três cidades. Por que eu não o prendo aqui mesmo e acabamos logo com isto?
— Não estou aqui para causar problemas, senhor Xerife. — Henry fez uma curta reverência. — Seguirei meu caminho ao anoitecer.
— E o que faremos sobre aquele homem amarrado ao seu cavalo? Como já disse, caçadores de recompensa não são bem vindos aqui.
— Ele não será de nenhum problema. — Henry tomou mais um gole, a garrafa já estava próxima do fim.
— Você não está entendendo. Alguém passará a noite em minha cela. Seja você, seja ele. Quem sabe os dois?
Por mais que o salão ansiasse por um tiroteio ou qualquer coisa fora do comum, o Xerife tinha preferência por manter a paz. O homem preso ao cavalo seria o suficiente mesmo valendo menos que o corpo do Vermelho. O Xerife queria dinheiro fácil e se contentaria com pouco.
O inevitável momento chegou. Henry queria evitar o confronto a todo custo mas morreria antes de entregar Ashby para um xerife qualquer. O caubói fechou a mão no cabo de sua arma mas tentou continuar o diálogo antes de retirá-la do coldre.
— Xerife, não procuro confusão e acredito que o sentimento seja recíproco. — Henry colocou a mão dentro de seu casaco.
Os ajudantes do Xerife rapidamente levantaram seus revólveres.
— Por favor, homens! — O Xerife gritou para que os ajudantes baixassem as armas.
Henry fez surgir uma pequena bolsa repleta de moedas.
O Xerife entendeu na hora a proposta do Vermelho. Isto era tudo o que o homem da lei cobiçava, dinheiro fácil sem ter que se dar ao trabalho. Infelizmente não poderia aceitar, ele era a droga do xerife, sabia que os imbecís daquela cidade iram difamá-lo. Ele não se daria ao luxo de ter um boato sobre suborno correndo em sua cidade.
A falta de honestidade gritava pela bolsa mas o oficial não iria perder sua posição por causa de um punhado de dinheiro, manter seu nome era mais importante.
Ele olhou com raiva para o vaqueiro e desejou que esta oferta houvesse ocorrido longe da multidão, distante dos olhos desse bando de ratos.
— Você, um bandido, entra em minha cidade sem permissão, carregando outro bandido em seu cavalo e para completar ainda tem a audácia de tentar me subornar? — O Xerife aumentou a voz consideravelmente. Ele tinha que manter sua imagem.
Continua...
Esse conto foi escrito por Arthur Zopellaro para o Contos Iradex. Para reprodução ou qualquer assunto de copyright o autor e o blog deverão ser consultados.