Felipe,
Quando você conheceu a bisa Irene, ela já estava bem velhinha. Ela sofreu anos com uma doença que levou suas forças e muito da sua personalidade. Mas saiba que ela era uma mulher muito inteligente, uma pessoa muito atenta ao mundo, conversava com qualquer pessoa sobre qualquer assunto. Ela dormia na rede, como era o costume de muita gente em Belém. E quando eu passava as férias por lá, me aninhava com ela pela manhã, quietinha, até que ela acabasse de ler os jornais do dia.
Ela me ensinou que ler era importante, que deveríamos prestar atenção quando outra pessoa estivesse falando e que o mundo era um lugar a ser explorado. Foi ela quem primeiro me contou a historia do Walt Disney, quando eu descobri que existia um parque mágico, muito longe, onde viviam o Mickey e o Pateta.
Numa época que em que a sempre instável economia brasileira tinha transformado reais em dólares, eu, seu pai e a tia Lucia resolvemos que iríamos para Orlando e levaríamos a dona Irene. É claro que ela disse não. Ponderou que estava velha, que estava doente, que iria atrapalhar a viagem. Mas não arredamos o pé. Se ela não fosse, ninguém iria e perderíamos a oportunidade. E na terra dos teimosos, três contra um, ganhamos. Seus avós resolveram ir também e nosso estranho grupo partiu para a terra do Sr. Disney.
Já no primeiro dia, a mais velha do grupo mostrou de que material era feita. Alugamos um carrinho elétrico para poupá-la das longas caminhadas. Pois todo mundo usou aquele carrinho menos ela. Andou lépida por todo canto e foi em quase todas as atrações, sendo barrada pela policia familiar quando já estava na fila da Space Montain. Ela gostou mais dos Piratas do Caribe do que do Castelo da Cinderela e elegeu a Mansão Mal Assombrada como o melhor do dia, empatado com o sorvete de casquinha da Main Street. No segundo dia, já sabíamos que ela iria comandar a viagem. Sem nunca reclamar de nada, nem mesmo de cansaço, anotando tudo no seu diário, aproveitou cada minuto.
E assim como você muitos anos mais tarde, ela também achou que o Epcot era o melhor de todos os parques e ficou fascinada com a viagem pelo mundo da comunicação, por dentro da bola prateada. Foi delicioso passearmos pela China, Itália, Marrocos, México, Japão, dando a volta ao mundo, como eu sonhava fazer quando pequena sempre grudada na saia dela. E assim, pelos parques ou pela cidade, a trupe familiar, liderada pela bisa Irene, seguiu em frente.
Tenho muitas memórias importantes desta viagem, pois também foi a ultima que fiz com seu avô, sua avó e a tia Lucia, que foram embora da vida tão cedo. Mas a mais clara delas é da minha avó de capa amarela, andando na chuva, nos estúdios da Universal. Depois de sermos atacados pelo tosco tubarão do Spielberg e termos enfrentado Kong no metro de NY, fomos pegos por uma tempestade real, que às vezes desaba na Florida nos meses de outono. Corremos para dentro de uma lanchonete e depois de comer e esperar um pouco, ficou claro que a chuva não iria passar tão cedo. Foi quando a bisa resolveu que iria comprar capas de chuva e que iríamos continuar o passeio. Onde já se viu paraense ter medo de chuva? E lá fomos nós, família de doidos, sob os olhares incrédulos dos americanos, pelas janelas das lojas e restaurantes.
Orlando é mesmo a terra dos sonhos. Nada pode ser mais verdadeiro do que esse slogan. Se alguém me pergunta se vale a pena, eu digo com convicção: não importa sua idade, sua historia ou de onde você veio, suas memórias serão testemunha da realização dos sonhos que você levou para lá. Se você não tiver esses sonhos, siga para outro canto. Mas se tiver: Bibit Bobit Boo!
Cartas ao Mundo é uma série especial, escrita por Adah Conti durante suas viagens.
O destinatário costumava ser apenas seu filho, Felipe, mas agora somos todos nós. Conheça o mundo pelas palavras de Adah.