O Flerte | Iradex

O Flerte

Entre um flerte indesejado e uma aparição misteriosa, um homem luta para deliberar seus valores.

O Flerte é um conto escrito por Arthur Zopellaro e distribuído em primeira mão aqui no Contos Iradex. Embarque nessa leitura.


O Flerte

Roger fitava um ponto fixo na parede enquanto seus dedos congelavam com a temperatura do copo. A baixa luminosidade do bar dificultava que a jovem conseguisse definir sua fisionomia mas a silhueta do homem foi o suficiente para que ela criasse interesse.

— Posso lhe pagar um drink? — perguntou sentando-se ao lado de Roger.
— Meu copo está cheio. — respondeu levantando a bebida.

Ela percebeu a aliança.

— Eu espero você terminar. — retrucou.

Roger virou todo o uísque em um só gole aceitando a oferta. Seu rosto era um mistério, a jovem tentava formar uma imagem mas ele a evitava.

— Dois do que ele estava bebendo! — ordenou ela ao garçom.

O pedido soou como uma melodia improvisada harmonizando com jazz que preenchia o ambiente.

— Me chamo Melanie a propósito.
— Roger.

Dois copos pela metade foram colocados entre eles, dois cubos de gelo em cada.

Melanie retirou os cubos do copo de Roger e os tomou para si sem pedir permissão. Ele gostou e se deixou sorrir. Essa foi a primeira vez que a jovem conseguiu apreciar seu rosto.

Melanie retribuiu o sorriso mas se espantou com a mudança repentina de Roger.

Ele fechou o punho em raiva enquanto acariciava a aliança.

— Desculpe, tenho que ir. — Roger disse enquanto se levantava, deixando duas notas ao lado do copo.

Melanie estava imóvel. A falta de reação o teria alarmado mas o que realmente despertou sua atenção foi o desvanecer do saxofone. O piano também não produzia mais nenhuma nota. Ele olhou em volta. Todos parados. Tudo parado. Imaginou se já estaria bêbado.

Naquele silêncio absoluto, ouviu o abrir de uma porta acompanhado de uma brisa congelante que arrepiou até o último de seus pelos.

Virou-se rapidamente para a fonte do ruído e vislumbrou a mais bela imagem que a saudade pudera produzir. Sua esposa ostentava o mais belo vestido lilás e se movia por entre a inércia momentânea que tomara o local.

— Di.. Dianna?

Ela não respondeu e continuou andando em sua direção. Dianna tocou no queixo de Roger, as pontas dos dedos pareciam cubos de gelo, frios e molhados. Ele sentiu o calafrio subindo cada osso de sua espinha dorsal.

Ela se inclinou e o beijou nos lábios. Roger esperava uma sensação gélida mas para sua surpresa a boca de Dianna era de como se lembrava. O beijo rendeu qualquer frio que ele sentira. Foi tomado por um calor aconchegante e tinha certeza de que poderia ficar naquele momento por toda a eternidade.

— Senti tua falta. — disse olhando Roger nos olhos.

Ele estava desequilibrado demais para poder responder qualquer coisa. Dianna passou por ele e analisou Melanie.

— Ela é bonita.
— Eu sei. — Roger respondeu sentindo desgosto de si mesmo por concordar.
— Assim sendo, por que vais embora?
— Eu não consigo fazer isso.

Dianna sabia que a verdade era mais complexa mas não disse nada, esperou pela resposta genuína no olhar de Roger.

— Hoje faz um ano e um dia, sabe? — Ele finalmente quebrou o silêncio. — Pensei que seria diferente, que conseguiria recomeçar mas hoje foi o pior de todos os dias. Eu não consigo te esquecer.

— E não deve. Superar não é esquecer.
— Então o que devo fazer?
— Roger, a dor jamais irá sumir mas diminuirá. O primeiro passo sempre é o mais tortuoso e hoje foi o teu primeiro passo. Alguns dias a vida irá te bater com toda a força possível e tudo irá parecer insuportável, mas durante todos os outros dias você irá viver. Agora volte ali e viva um pouco. Você teve uma segunda chance, não a desperdice.

O saxofone explodiu nos tímpanos de Roger. No piscar de seus olhos, Dianna não estava mais ali e tudo tornara a mover-se. Passou a mão em seu rosto, voltou a sentar-se, guardou as notas que havia deixado na mesa e removeu a aliança do dedo.

— Podemos recomeçar? — Sorriu tímido para Melanie. — Desculpe.

Ela tomou um gole do uísque antes de responder.

— Depende. Você é casado?
— Viúvo.


Esse conto foi escrito por Arthur Zopellaro para o Contos Iradex. Para reprodução ou qualquer assunto de copyright o autor e o blog deverão ser consultados.


Sobre o autor: Arthur Zopellaro é nerd de nascença e estudante de Sistemas de Informação nas horas vagas. Sempre gostou de histórias, independente do formato (filmes, jogos, etc). Atualmente tenta transmitir sentimentos através de palavras, uma forma de agradecer pelas excelentes obras que o fizeram sentir-se mais humano.
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