O que você faria se desmaiasse no acostamento de uma estrada que parece ficar no meio do nada e acordasse no banco traseiro do carro de um desconhecido? Esse parece o ponto de partida para um conflito memorável, mas vamos deixar que a própria história e seus personagens contem o final que isso levará.
Limite de Velocidade é um misterioso conto, escrito por The Raconteur e distribuído em primeira mão aqui no Contos Iradex. Embarque nessa leitura. O conto será publicado em 2 partes, até o dia 15 de setembro.
SUMÁRIO
- Parte 1 - Loucuras que se cruzam
- Parte 2 - Loucuras que se entrelaçam
LOUCURAS QUE SE CRUZAM
Caminhava pelo acostamento da pista numa estrada deserta. Não tinha meio de condução ou dinheiro para pagar um, já que tudo o que tinha fora roubado. Só lhe restara uma mochila com mudas de roupa e os documentos pessoais. Estava quente e ela não tinha água. Estava se sentindo um pouco tonta. Passou as costas da mão na testa e sentiu o suor escorrer até seu pulso, molhando as pulseiras que usava. Parou. Apoiou as mãos nos joelhos, curvando-se, e respirou fundo várias vezes. Estava prestes a desmaiar.
Quando cambaleou pela primeira vez e quase caiu no chão, escutou o som de um carro vindo ao longe e virou-se para encarar com a vista fraca um carro de aparência velha, mas que parecia ser resistente. Carros não eram seu forte. Acenou para o motorista, que parou. Ela não conseguiu dar mais um passo antes de despencar no asfalto quente, com a visão totalmente escurecida, e apagar.
Foi despertando aos poucos, com o vento e o sol batendo em sua face, mas não abriu os olhos. Escutava uma melodia e uma voz vindas de algum lugar. Seus sentidos estavam bagunçados, mas ela se forçou a abrir os olhos vagarosamente.
Percebeu estar deitada no banco traseiro de um carro com estofamento de couro marrom claro, cor de caramelo. A melodia vinha da rádio e a voz – bonita, por sinal – era do motorista. Ele cantava baixo, mas era alto o suficiente para ser ouvido. A melodia era bonita, alegre. Ela a escutou por algum tempo, mas resolveu tentar levantar.
Quando sentou-se e percebeu que algo escorria de sua testa, passou os dedos de leve nela. Viu seus dedos um pouco ensanguentados e disse “Wow”.
O motorista olhou para trás pelo retrovisor e foi parando o carro no acostamento. Virou-se para ela e lhe entregou uma garrafa d’água e um pano limpo. Disse a ela para beber um pouco da água e usar o resto para molhar o pano e colocar na ferida. Sua voz era autoritária, mas soava como o canto de um pássaro. Voltou a dirigir em seguida.
Ela fez o que ele disse e, quando tomou o primeiro gole d’água, percebeu que sua boca e garganta estavam completamente secas. A água estava morna. Não havia como estar gelada naquele calor. Parou de beber, colocou o resto da água no pano e o pôs na testa. Recostou-se no banco traseiro, de forma que o motorista pudesse ver seu rosto se olhasse pelo retrovisor. Ele diminuiu o volume da rádio enquanto ela se acomodava.
– Como se sente? – perguntou.
– Fora a parte em que estou no carro de um desconhecido indo para sabe-se lá onde, com a testa dolorida e sangrando, estou muito bem. E você?
Ele deu uma risadinha e respondeu que fora a parte em que uma garota estranha, que andava numa estrada no meio do nada, tinha desmaiado na frente de seu carro e até pouco tempo atrás estava com o corte na testa estancado, ele estava bem. Riram juntos, mas pararam quando a cabeça dela começou a latejar.
– Parou de sangrar? – ele perguntou.
– Acho que sim. Tem como ir para o banco da frente?
– Não tem um guarda nessa estrada para ver. Pula o banco, mas toma cuidado para o corte não abrir de novo.
Ela pulou para o banco do carona, colocou o cinto de segurança e tentou resistir, mas acabou olhando para ele depois de um minuto ou dois. O homem ao seu lado devia estar na casa dos vinte anos. Barba recém feita, covinha no lado direito do rosto – ele estava sorrindo de leve –, pele parda e olheiras pouco visíveis. Cabelos cor castanho escuro maiores que os da maioria dos homens, mas não chegavam a ser muito grandes.
– Qual é seu nome? – se pegou perguntando em voz alta.
Ele olhou para ela e disse em meio a um sorriso: Tadeu.
– E o seu?
– Jade – respondeu firmemente.
– Ah, legal. Que nem a pedra, né?
– Sim, exatamente como a pedra.
Tadeu aumentou o volume da rádio novamente quando o silêncio tomou conta do ambiente. Ele começou a cantarolar as músicas que conhecia quando Jade, que olhava a paisagem esse tempo todo, virou-se para ele e perguntou para onde eles estavam indo.
– Olha, eu não sei te dizer – respondeu, não tirando os olhos da estrada – Estou deixando o vento me levar, a estrada me guiar. Mas e você, para onde quer ir?
Jade desviou o olhar dele e voltou a olhar a paisagem. Os campos de trigo estavam começando sair de vista, indicando que a área rural estava ficando para trás.
– Eu quero uma passagem só de ida para algum lugar. Qualquer lugar é melhor do que o que deixei para trás. Quero começar do zero, não tenho nada a perder mesmo.
Tadeu desviou os olhos por alguns segundos e olhou para ela. Seus cabelos cor amarelo queimado voavam conforme o vento dançava. Ele sorriu de leve e voltou a olhar a estrada com certa relutância. Ele queria ver se os cabelos dela dançariam O Lago dos Cisnes.
– Talvez devêssemos fazer um trato.
– Que tipo de trato? – perguntou com certa desconfiança, virando-se para encará-lo com a sobrancelha direita levantada. Ele olhou para ela rapidamente e desviou o olhar.
– Talvez a gente possa ir para algum lugar. Não precisamos ir tão longe, apenas cruzar a fronteira e entrar na cidade grande. Viver uma aventura.
– Você está chamando uma desconhecida para viver uma aventura com você?
– Estou.
Aquelas palavras poderiam ter soado extremamente estranhas e assustadoras para qualquer outra pessoa, mas quando chegaram aos ouvidos de Jade, elas soaram como o momento em que você descobre que está ganhando uma festa de aniversário surpresa.
Continua...
Esse conto foi escrito por The Raconteur para o Contos Iradex. Para reprodução ou qualquer assunto de copyright o autor e o blog deverão ser consultados.