Pode-se dizer que, aos 12 anos de idade, somos basicamente compostos por 70% de água (valor esse constantemente variável devido ao tanto que a gente sua) e 30% de imaginação (em alguns casos, incluindo eu mesmo, o termo “imaginação” pode ser substituído por “inquietação”).
E é justamente o que fazemos com esses 30% de imaginação/inquietação que define nossa personalidade pro resto de nossas vidas. Uns vão pros esportes. Outros, pra música. Alguns até já começam a namorar! Aos 12 eu também encontrei uma atividade que pudesse acalmar minha inquietação. Aos 12 eu li Fundação pela primeira vez.
“Era infantil se sentir decepcionado, mas a infantilidade é uma coisa que acontece quase tão naturalmente a um homem quanto a uma criança...”
Nessa época, já era apaixonado pelas estórias de robôs e sonhos de Asimov que meu tio me emprestava e que eu devorava com uma curiosidade respeitosa, já tinha inclusive lido o meu conto preferido dele. Era leitura de gente grande! Mas nenhuma delas me impactou tanto quanto aquele calhamaço branco chamado Fundação. Com mais de 500 páginas de letra pequenininha e aquela imagem futurista tomando a capa inteira, era uma visão bastante intimidadora. No entanto, a inquietação falou mais alto. Li a primeira página, e nem era esse bicho de sete cabeças. Li a segunda. E depois a terceira. E depois todas as outras num ritmo que até hoje eu me pergunto se é possível repetir.
A previsão aterradora
A estória se passa não numa galáxia muito muito distante, mas na nossa velha conhecida Via Láctea. Apesar de a Terra não ser mencionada na trilogia principal (ela só vem a aparecer no Fundação e Terra), os personagens do livro são humanos que colonizaram os milhares de planetas descobertos ao longo do tempo e se organizaram no Império Galático. Tudo corre bem até que a tranquilidade do Império é abalada com o surgimento da uma previsão aterradora.
Esse abalo vem da Psico-História, uma ciência/religião capaz de prever eventos futuros através de equações matemáticas. Seu criador, Hari Seldon, prevê a queda do Império Galático e que a humanidade iria passar por um período negro de 30 milênios. No entanto, ele tem uma "solução". Se lhe fosse permitido construir uma base para armazenar todo o conhecimento da humanidade, esse período negro seria diminuído para apenas 1 milênio, e a partir desta Fundação, um novo Império seria erguido. É justamente dentro desse período de mil anos que a trilogia principal se passa.
Falamos trilogia principal, pois após a publicação dos três primeiros livros em 1951 (Fundação; Fundação e Império; e Segunda Fundação), o mestre Isaac Asimov sentiu necessidade de escrever mais sobre a relação da Fundação com a galáxia e com a Terra, publicando mais dois livros (Limites da Fundação; e Fundação e Terra).
Depois disso, mais para o fim de sua carreira, Asimov dá o seu grande passo para se tornar um imortal da Ficção Científica: publica mais dois livros (Origens da Fundação; e Prelúdio à Fundação) que além de ser uma “prequencia” da trilogia original, também conectam todas as suas estórias (que começam lá em Eu, Robô) em um único e maravilhoso Universo.
É difícil dizer com certeza o tamanho da influência da Saga Fundação pra nós. Seu reconhecimento é tanto, que em 1966 ela recebeu o prêmio de “Melhor série de todos os tempos” no Hugo Awards (o Oscar da Ficção Científica). Há quem a chame de O Senhor dos Anéis da ficção científica (!!!). Guardadas as devidas proporções, a comparação é válida no sentido de que provavelmente você já consumiu sem nem saber algum produto cultural (livro, filme, música) inspirado direta ou indiretamente pela obra prima de Asimov.
Ele mesmo dizia que não era propriamente um mestre da escrita, querendo se concentrar mais no conteúdo do que na forma. Por isso, acredito que a mágica do Bom Doutor esteja no fato de ele conseguir passar pras suas obras uma impressionante paixão pelo conhecimento e uma inabalável admiração pelo que a humanidade poder alcançar trilhando os caminhos certos.
Suas obras (Fundação principalmente!) são uma conversa direta entre a inquietação dele e a nossa. Uma tentando se apaziguar na outra. Pra mim, ler Asimov é como voltar no tempo. Ou permanecer no tempo. Faz 15 anos que tenho 12.