Cavaleiro das Trevas, Cruzado de Capa, Homem Morcego, Vovó (essa é bem interna). Não importa como você o chama, o fato é que você o conhece! Batman hoje não é apenas um personagem, é um símbolo, uma marca, um conceito; enfim, é um elemento da mitologia moderna.
“Seja sempre você mesmo. A menos que você possa ser o Batman. Nesse caso, seja sempre o Batman!”
Apesar da popularidade, é relativamente pequeno o número de pessoas nerds que conhecem a sua manifestação primordial, ou seja, os quadrinhos. Com o sucesso das recentes superproduções cinematográficas (leia-se Nolanmania), essa realidade está começando a mudar. São várias as edições clássicas dos bat-quadrinhos que estão sendo publicadas; algumas esgotadas há muito tempo, outras sequer traduzidas antes.
A dúvida de todo mundo que quer ler Batman nos quadrinhos deve ser o velho "por onde começar?". A resposta pode ser bem estúpida, mas é essa: pelo começo! A melhor forma de entender as origens e a evolução do personagem é vendo suas primeiras edições, datadas do fim da década de 1930, e que retratam não só a realidade da época, como também são verdadeiros documentos históricos.
Antes que alguém comece a achar que vai ter que vender um rim no mercado negro pra poder comprar/ler os primeiros números do Morcego, eu venho com uma notícia boa e uma ruim. Vamos lá.
A notícia boa e a ruim
A notícia boa é que a DC tem uma coleção chamada Chronicles, onde republica seus quadrinhos da Era de Ouro em ordem cronológica, com uma qualidade simplesmente sensacional (recomendo também a do Superman) e a um preço bastante acessível (média de 50 dinheiros por edição). No Batman Chronicles 1 você vai encontrar as 17 primeiras histórias produzidas por Bill Finger e Bob Kane (incluindo a sua primeira aparição na Detective Comics nº 27 , de 1939; e o Batman #1, de 1940).
A notícia ruim é que, infelizmente, pra ler o fiat lux do morcego em mídia física você vai ter que desenferrujar seu inglês, pois o Volume 1 em português está esgotado no momento (há esperança de republicação para o ano que vem!).
Mas se você não quiser esperar, aqui vão três grandes dicas de obras que foram republicadas recentemente pela PANINI e podem tranquilamente ser seu ponto de partida.
O melhor de tudo? Estão traduzidas e baratíssimas!
Arquivo de Casos Inexplicáveis
Quando os chefões da DC o convidaram pra escrever a série mensal do Batman, Grant Morrison não teve grandes dificuldades em pensar na história que queria contar. Para seu espanto, ao se debruçar sobre as antigas aventuras de Bruce Wayne, ele percebeu que sua grande ideia já havia sido publicada em 1953, sob o título The Secret Star (vale a pena procurar, é bem interessante).
Morrison se viu então obrigado a pensar em uma escala maior, e decidiu tomar um rumo diferente, dessa vez para dentro da mente do Cavaleiro das Trevas (bem ao estilo lombra pelo qual ele é conhecido). Foi também em edições dos anos 50 que ele encontrou inspiração para mais uma viagem. E que viagem! Depois de assumir a série no #655, o roteirista britânico levou Batman aos confins do Universo e da loucura.
Em 2009, a DC resolveu publicar um compilado dessas histórias das Eras de Ouro e Prata que inspiraram Grant Morrison a realizar o trabalho que culminou no aclamado e premiado Batman Descanse em Paz (Batman R.I.P.).
Nas palavras do próprio Morrison, no Arquivo de Casos Inexplicáveis (The Black Casebook) você encontrará os casos mais bizarros e surreais da carreira de Bruce Wayne, uma espécie de Arquivo X do homem morcego. Ria do Batman sul-americano, acompanhe Robin achando que vai ser trocado por um parceiro adulto, e descubra por que o Superman não é de nada.
Outro detalhe interessante sobre o Arquivo é que traz uma das primeiras HQ’s (Batman Cacique) a serem publicadas sob a égide do Comics Code Authority, órgão criado para avaliar todos os quadrinhos antes de sua publicação e vetá-los caso não estivessem de acordo com os bons costumes e a moral.
Essa entidade foi criada em 1954, após a grande repercussão do livro Sedução dos Inocentes (Seduction of the Innocent), do psiquiatra Fredric Wertham, que fez um estudo nas penitenciárias americanas e chegou à brilhante conclusão de que os quadrinhos eram nocivos à juventude. Outras brilhantes conclusões dele foram que Batman e Robin eram gays (é dessa época que vem essa fama), que a Mulher Maravilha era uma dominatrix (nisso ele estava certo!), e que o Superman tinha traços comunistas (o que ocasionou grandes reformulações no personagem).
Polêmicas à parte, é uma excelente publicação. Apesar de algumas aventuras bobinhas, existem acontecimentos e personagens importantíssimos para a formação da bat-mitologia e também pra servirem de referência pras obras que retratam o homem morcego no mundo moderno.
Batman: Ano Um
No fim dos anos 80, a DC estava em crise. Seus personagens, alguns com meio século de idade, estavam começando a ficar ultrapassados. Ficou resolvido então que pelo menos seus três principais teriam que passar por uma revitalização.
Com o Superman e a Mulher Maravilha foi bem fácil. Vários artistas e ideias surgiram (algumas boas e outras péssimas). Rapidamente começou o trabalho de modernização dos dois. Com o Batman não foi tão simples, pois, como a origem do homem morcego já era muito boa, não se podia simplesmente começar do zero.
Se o trabalho de Bill Finger e Bob Kane não precisava ser modificado, talvez o que faltasse fosse um pouco de profundidade e atualização para a Era Moderna dos quadrinhos. O problema que surgiu depois dessa decisão foi que ninguém tinha a coragem de encarar a tarefa. Até Frank Miller se voluntariar.
Nessa época Miller já era bem conhecido no mundo dos quadrinhos pela sua capacidade de trazer novas ideias a velhos personagens, mas não atuando na DC, e sim na sua maior concorrente. Ele foi responsável por revigorar um personagem bem morno da MARVEL e elevá-lo a patamares nunca antes imaginados. Talvez você já tenha ouvido falar nele, o Demolidor (Daredevil).
Foi assim que o americano de 29 anos tomou pra si a responsabilidade de fazer uma nova geração idolatrar o homem morcego. Ele conseguiu! Em menos de 2 anos, Miller lançou duas das maiores HQ’s de todos os tempos. Uma falando a respeito dos primeiros anos de Bruce Wayne e outra sobre sua aposentadoria (curiosamente o ômega veio antes do alpha).
O Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight Returns) balançou as estruturas da quadrinhosfera (?), mostrando um Bruce Wayne envelhecido, mas que ainda chutava bundas (algumas até bem superpoderosas), e é considerada por muitos a melhor HQ já escrita. Algo que discordo um pouco, mas posso dizer que nela tem a minha cena preferida do Batman.
Apesar do sucesso, a revitalização que a DC esperava ainda não tinha ocorrido. Esta veio um ano depois, numa série de 4 histórias sobre os primeiros anos de Bruce Wayne no combate ao crime (Batman #404-407). O compilado dessas histórias ficou conhecido como Batman: Ano Um (Batman: Year One).
Se no Dark Knight vimos um Batman praticamente aposentado, no Ano Um temos um Batman inexperiente, inconsequente, tomando porrada de bandido de quinta. À medida que o tempo passa, acompanhamos o crescimento do Morcego, a criação do seu código, e principalmente, a sua motivação para ser o Cruzado de Capa.
Outro novato no enredo é o Comissário Gordon, na época apenas um Tenente recém-chegado à Gotham, que se vê diante de uma rede de corrupção na instituição que devia servir e proteger: a polícia.
É sob a visão desses dois novatos que vemos a genialidade de Miller impressa em papel. Para esse trabalho ele contou com a ajuda do ilustrador David Mazzucchelli (no Dark Knight era o próprio Miller que fazia os desenhos), o que tornou a obra mais sombria, mas de certa forma mais agradável aos olhos.
Mais um atrativo do Ano Um é ver o tanto que ele influenciou as adaptações cinematográficas feitas por Christopher Nolan, principalmente o Batman Begins. Será que você consegue identificar todas?
Piada Mortal
Apesar do grande sucesso do Cavaleiro das Trevas e do Ano Um, Frank Miller acabou se afastando da DC por conta da censura de algumas de suas histórias (lembra do Comics Code Authority?). A tarefa de produzir a próxima obra revolucionária coube então a outro autor que também lutava fortemente contra a censura.
Alan Moore dispensa apresentações; o que tem de talentoso, tem de excêntrico. Em 1988, estava no auge de sua carreira. Já tendo publicado obras originais e de tirar o fôlego como V de Vingança (V for Vendetta) e Watchmen, o mago britânico também era conhecido por revitalizar personagens esquecidos (seu trabalho com o Swamp Thing é algo perto da perfeição), e com o Batman não poderia ser diferente. Aliás, foi diferente sim. Tão diferente que a história que ele resolveu contar é centrada não no herói, mas no vilão.
E adivinha qual foi o vilão escolhido? Claro, o Coringa!
Em A Piada Mortal (The Killing Joke) vemos um Batman cansado de tanto ter que correr atrás do seu arqui-inimigo. Cansado a ponto de "vir para conversar" com ele no Arkham (cena maravilhosa!). O desenrolar dessa graphic novel de apenas 46 páginas vai muito além do que podemos esperar e até hoje é um mistério (pelo menos para mim) como foi que Moore conseguiu que publicassem uma HQ tão louca e violenta (lembrando de novo que o Comics Code Authority estava em vigor).
Contada a maior parte sob o ponto de vista do Coringa, seja no presente, seja em forma de flashback, são várias as referências que podemos encontrar aos quadrinhos antigos do Batsy, coisas como o Batmóvel dos anos 50/60 e fotos de personagens pouco conhecidos (dica boa: tanto o Batmóvel, quanto os personagens você encontra facilmente no Arquivo de Casos Inexplicáveis).
Seu desfecho, além de sensacional, é tão cheio de entrelinhas que gera dúvidas até hoje (estilo Dom Casmurro e Capitu). Inclusive, recentemente Grant Morrison deu sua versão da comentada cena final. Matou ou não matou?
Os mistérios e polêmicas dessa obra são muitos. A edição americana traz também uma curta história feita inteiramente pelo desenhista escolhido por Moore para lhe acompanhar no Piada Mortal, Brian Bolland. Nela, um jovem decide que para saber se ele vai ser bom ou ruim deve primeiro praticar uma grande maldade. E a maldade escolhida é matar ninguém menos que o Batman. O adjetivo que posso usar para descrevê-la é simplesmente esse: inquietante!
Assim como é notória a influência do Ano Um sobre os filmes morceguísticos (!), percebe-se claramente de onde Nolan foi beber para criar o Coringa do seu segundo filme. São várias as passagens em que encontramos pequenos detalhes da formação do personagem brilhantemente interpretado pelo finado Heath Ledger. Digo mais, o grande mérito da dupla Nolan/Ledger foi fazer as pessoas que nunca leram o Piada Mortal se borrarem de medo do vilão.