"Meu Papai é Noel" te faz sentir o cheiro de cigarro dos anos 90 | 31 Dias de Natal | Iradex

"Meu Papai é Noel" te faz sentir o cheiro de cigarro dos anos 90 | 31 Dias de Natal

Dia 10:  Meu Papai é Noel ("The Santa Clause", 1994)

Texto e narração: Gabriel Pinheiro (Twitter / Instagram / Letterboxd)

Edição: Roberto Rudiney

DistribuiçãoR.I.P.A. / Iradex

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Transcrição:

Me fascina bastante o conceito de “filme do ano que eu nasci”, por que me faz ficar pensando... "Será que minha mãe assistiu esse filme comigo na barriga?". Mas logo eu percebo a bobagem que é isso, considerando que na minha cidade o cinema só chegou em 2002. De qualquer jeito, “Santa Clause” também era uma experiência americana demais para minha família ter apreciado naquela época.

O que o filme tem de sobra são referências datadas para aquele momento específica da cultura Americana. Uma cena imitando amargedom, uma grande comoção policial causada pelo sequestro de uma criança e até uma propaganda descarada do Disney Channel. Bem nesse último item, até que existe um conforto em ver como o verdadeiro espírito Disney continua sendo celebrado até hoje.

A Instituição do filme americano dos anos 90 fica completa com o protagonista, que é o clássico executivo aleatório de nível médio em um grande escritório. Com direito à clássica cena na sala de reuniões onde o protagonista passa vergonha na frente do chefe por ir contra o padrão sério e burocrático da empresa.

Agora, o que a minha família poderia compreender e aproveitar bem nesse filme  lá nos anos 90, seria o fato dele fazer parte de uma categoria de filmes importante dessa época, chamada " a experiência dos pais divorciados". Em algum momento, os filmes americanos começaram a incluir essa nova configuração familiar, para que o público pudesse se identificar com a situação nas telonas, e nos filmes de natal não poderia ser diferente. No final das contas, “Meu Papai é Noel” é muito mais um filme sobre aceitar que o seu pai se divorciou da sua mãe do que necessariamente um filme de Natal.

Sem saber disso, eu acabei ficando um pouco confuso no começo, já que o Scott Calvin  é um péssimo pai no início e no final parece que ele ainda tá no início, só que gordo e grisalho. A única mudança na vida do Scott é a casualidade de ele ter matado acidentalmente o bom velhinho e ser obrigado a virar o Novo Papai Noel. Você vê aqui claramente a mensagem de que tudo o que sua família precisa pra funcionar bem é uma obrigação contratual. O que são papeis de divórcio, se não uma santa cláusula da vida real?

Pois bem, ao fazer o Papai Noel cair do telhado quebrando a clavícula, o Tim Allen veste o manto vermelho e conduz as renas do Papai Noel com seu filho. O filme não perde muito tempo pra já mostrar ele entrando em várias chaminés, com uns efeitos visuais muito ruins até pra época. Aí algum tempo se passa e a dupla vai para o Polo Norte, onde eles conhecem os elfos. Pontos para esse filme por conseguir um excelente elenco infantil de orelhas pontudas para interpretar os elfos. A capacidade desses muleques para convencer que são  adultos sarcásticos que já viveram 120 anos é louvavel. Essa escolha só acaba ficando estranha quando o Tim Allen resolve flertar com uma dessas elfas, interpretadas por uma criança de 9 anos.

Daí passa mais um tempo - e o filme só me deixa muito confuso com essa passagem de dias e meses - e de repente um ano inteiro se passou e é já é o Dia de Ação de Graças novamente. Mas agora o Tim Allen se transformou fisicamente em Papai Noel. É nessa hora que acontece também a clássica cena do Homem Triste Olhando Pela Janela Enquanto Uma Família Feliz Se Reúne Lá Dentro E Aqui Fora A Neve Cai ™.

Mas no final, fica tudo bem porque o padrasto nem era um cara tão mal, ele só tentou ir pelas costas do Tim Allen fazer ele perder a guarda do filho judicialmente, mas foi por um bom motivo (?).

E a situação fica ainda mais ridícula quando, na cena final, o trenó fica subindo e descendo por 5 minutos em uma rua cheia de Testemunhas, incluindo três viaturas policiais! Ou seja, ser visto como papai noel nunca foi um um problema, logo o conflito do filme inteiro efetivamente não precisava existir!

Esse é talvez o exemplo mais infame do tipo de mensagem errada que os filmes de natal americanos costumavam passar: mostrar pessoas acreditando no espírito do natal porque eles tiveram provas irrefutáveis da porra do papai noel voando no meio da rua. Como que eu vou explicar isso para minhas crianças?