"Um Conto de Natal", ou seria uma Canção? | 31 Dias de Natal | Iradex % Iradex

"Um Conto de Natal", ou seria uma Canção? | 31 Dias de Natal

Dia 11:  Um Conto de Natal (A Christmas Carol, 1849)

Texto e narração: Mackenzie Melo (Twitter)

Edição: 20 a 20

DistribuiçãoR.I.P.A. / Iradex

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Transcrição:

Eu mudei. Tenho certeza disso pois quando converso com meu pai, com minha mãe, com meus irmãos e minhas irmãs, quando me olho no espelho e vejo meus cabelos já não tão pretos quanto há alguns anos, isso demonstra, não apenas para mim, mas para todos que me conheceram e me conhecem hoje que eu realmente mudei. Eu mudei tanto quanto um ovo que virou uma galinha.

Entretanto, é claro que eu não precisaria dizer isso pois basta olhar para mim para se saber disso. Quer dizer, não é preciso nem olhar para mim para saber isso. Isso é tão claro quanto a luz do Sol à noite. Todos sabemos que ele continua aceso, mas à noite fica tão escuro que a gente parece esquecer disso de vez em quando.

Engraçado como coisas óbvias, repetidas, têm um poder de – muitas vezes – nos fazer deixar de enxergá-las por estarem sempre lá. Arrumamos nossas mesas, nossas salas, nossos quartos, a área de trabalho em nosso celular ou computador e, depois de um tempo, não notamos mais as coisas que dispusemos, sejam espalhadas em ordem ou em nosso caos organizado.

Charles Dickens, um dos maiores escritores da literatura mundial, é mestre em nos levar a lugares em que – nos reconheçamos ou não – encontram alguma ressonância em nossas vidas, pois escreve de maneira cotidiana, sobre coisas mundanas, mesmo quando fala sobre fantasmas.

Um Conto de Natal (A Christmas Carol) é, talvez, a história mais famosa do autor e teria um título, pelo menos em minha opinião, melhor adaptado ao português se o chamássemos de Um Cântico de Natal. Falo isso não apenas por causa da tradução direta da palavra “Carol” (cântico, cantiga, música alegre), mas por uma outra razão que nunca tinha me dado conta, já que nunca tinha ouvido a história, só tinha lido e assistido. Percebi isso ao ouvir o audiolivro narrado por Tim Curry, ator mais conhecido por fazer o palhaço Pennywise no filme It (1990), baseado em uma obra de Stephen King.

Em determinados momentos, algumas das frases e o modo de falar do ator pareciam prestes a se transformar em poesia, em cantiga, em música. Além disso, e me perdoem os que já são familiarizados com a história mais do que eu, os “capítulos” não são chamados assim por Charles Dickens: são chamados de estrofes. Cada uma delas tem sentimentos muito próprios, passando por amargura, tristeza, rabugice, raiva, ódio, ressentimento, remorso, inveja, perdão, reconhecimento, alegria, felicidade, diversão, gratidão, esperança, fé, amor, etc., o que é muito comum nas músicas ditas eruditas.

O audiolivro em português, lido por Paulo Betti, famoso ator global, também tem muitas qualidades e recomendo ouvir. Além de uma voz clara e confortável, por ser um excelente ator, ele coloca mais do que apenas a voz quando os personagens riem, se indignam, se chateiam e se divertem, tornando a experiência de ouvir o livro algo para o qual ansiamos retornar enquanto ainda não finalizamos. Na versão que ouvi, apesar de não ser indispensável, a editora adicionou sons e músicas nalguns momentos, tornando a experiência ainda mais natalina. Em alguns momentos podem ter parecido demais para mim, mas como não foram inseridos durante todo o tempo, gostei do resultado final. A única pena que senti foi terem escolhido uma adaptação do texto original que traduz de maneira diferente o início da história, removendo, quase que com um martelo, a parte do prego de porta e as subsequentes analogias que Dickens utiliza ao se referenciar a ele nos parágrafos seguintes. De qualquer modo, como falei antes, gostei do resultado final.

Além da leitura e dos audiolivros, tive também a oportunidade de ver um dos inúmeros filmes já feitos sobre essa história.  Foi a versão de 2009 do diretor Robert Zemeckis (Forrest Gump, Polar Express) totalmente feito em CGI, sendo, portanto, uma animação. Entretanto, é daquele tipo de CGI que é feito para ser parecido com gente sem ser parecido com gente. Que pode parecer feito para parecer real, mas que, na verdade, não é feito para parecer real. 😊 Difícil de explicar, mas acho que vocês sabem do que estou falando. 

No filme, Jim Carrey (O Mentiroso, Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças, Debi e Lóide) é o nosso personagem principal, que até agora nem falei o nome, Ebenezer Scrooge e também faz o papel dos três fantasmas do Natal que vêm atormentá-lo: O Fantasma dos Natais Passados, O Fantasma do Natal Presente e O Fantasma dos Natais Futuros. Apesar de não ter sido um sucesso comercial, eu gosto do filme, especialmente pela imaginação de Zemeckis e como ele coloca pequenos detalhes escritos por Dickens de forma cinematográfica. Gosto, por exemplo, de como ele “mostra” as primeiras linhas do conto, quando o autor compara a situação de Marley (o sócio já morto de Scrooge) com um prego de porta e também, logo no comecinho, ao nos situar na Londres do começo do Século 19 e parar em frente da loja Scrooge & Marley, mostrando a passagem do tempo entre a morte de Marley e o dia onde vai se passar a história que vamos acompanhar. Vale a pena mergulhar e se deixar levar pela magia do filme e da história.

História... Acabei nem falando tanto da história em si pois ela parece já estar tão presente em nossa mente que nem sei se valeria a pena falar demais sobre ela, até porque todo mundo já sabe como termina e que o Senhor Scrooge aquele velho ranzinza e que aparentemente odeia tanto o Natal quanto adora o dinheiro, vai, lá bem no finalzinho da história, f... Não, não vou falar, vou resistir... 

- Apesar de que, me diz aqui o espírito dos Natais Estragados, essa é uma história de 1843, assim, não seria spoiler falar seu final.

- Mesmo assim, me diz o espírito dos Natais Conservados, deixa o pessoal descobrir, é mais legal.

Vou com o segundo espírito para evitar ser confundindo com o personagem principal que gosta de estragar as alegrias dos outros... e deixar para vocês que ainda não conhecem toda a história irem se deliciar com os detalhes desta canção de Natal que nos faz refletir sobre o quanto uma grande parte de nossas vidas, nossas alegrias e tristezas estão intimamente ligadas aos outros e à nossa relação com eles.

Quando falo nossa relação com os outros, estou realmente falando em uma relação daqui de dentro de mim para lá e não do outro para comigo, pois, em sua maioria, quando nos dispomos, podemos ser capazes de perceber que quando olhamos o mundo com olhos diferentes, de perspectivas diferentes, nos colocando no lugar do outro e tentando lembrar quem somos, o que somos e de onde viemos, percebemos que é a nossa atitude que faz com que o mundo mude. Seja o meu mundo, seja também pelo menos uma parte do mundo lá fora.

Felizes são aqueles, ou nós – pelo menos eu espero – que conseguem perceber isso a tempo. A tempo de termos tempo de mudar antes que a escuridão final chegue, pois ela vai chegar. Que possamos mudar sempre para melhor e que, se porventura gostarmos da escuridão como Scrooge gostava – nas palavras do autor: “Completamente despreocupado, Scrooge continuava a subir. A escuridão não custa dinheiro, e era por isso que Scrooge gostava dela”. – que possamos aprender a gostar dela por saber que ela apenas significa a ausência de luz e que, alguma hora, mesmo nos momentos mais tristes e desesperadores, a luz voltará a brilhar. 

Como o Sol que continua a brilhar. Mesmo durante as noites mais escuras.