Esta resenha contém spoilers depois de certo ponto. O texto sinalizará antes de qualquer spoiler.
Todo mundo tá cansado de saber que Vingadores: Ultimato foi uma conclusão (épica, emocionante, merecida) dos primeiros 11 anos do universo da Marvel Studios no cinema. Choramos, rimos, passamos raiva, rimos de novo. E mesmo assim, apesar de todo o tom de finitude do filme, ele não era o último capítulo da fase atual do Universo Cinematográfico da Marvel (pra quem não sabe, essa é a terceira fase, que se iniciou em Capitão América: Guerra Civil). Esse “fardo” ficou nas costas do amigão da vizinhança.
Enquanto peça de um universo maior, Homem-Aranha: Longe de Casa, segundo filme solo do herói nessa continuidade, não age exatamente como um fim de uma jornada, mas como um aperitivo do que vem por aí. Quase todas as pontas foram fechadas lá em Ultimato, deixando pra esse filme apenas a tarefa de dar dicas do que vem por aí. A única coisa relacionada aos acontecimentos anteriores que é mais importante é o retorno das pessoas que desaparecem depois dos eventos de Vingadores: Guerra Infinita (evento esse que agora é chamado pelo nome perfeitamente bobo de “blip”). Mesmo assim, isso não é muito explorado além de ser um tema para piadas, como o fato de algumas crianças da escola dos personagens agora terem a mesma idade dos adolescentes que sumiram e reapareceram, e uma cena em que uma banda de marchinha surge no meio de um jogo de basquete.
Tudo relacionado ao futuro da série está contido nas suas duas cenas pós-créditos, o que pode decepcionar quem encara esse conjunto de filmes como uma série de TV megalomaníaca, já que essa ligação fica fora da história principal. Essas cenas são interessantes e, apesar de não ser muita informação, é o suficiente para atiçar a galera que adora bolar teorias (que já estão rolando por aí, claro).
Agora, como um filme independente de outros, Longe de Casa se sai bem, mesmo que com deslizes.
A jornada de Peter Parker aqui é uma de aceitar um legado. Tony Stark o escolheu como seu “herdeiro” heróico, mas Peter não sabe se deve aceitar isso ou não, pois só quer passar um tempo viajando com seus amigos pela Europa. Plano simples que é impedido pelos ataques de seres poderosos multidimensionais e pela noção de obrigação do Homem-Aranha. Até aí, nada muito especial, já existem alguns filmes com temas parecidos. Mas o que faz o filme é a execução bem feita de seus clichês.
Os amigos de escola de Peter que conhecemos em De Volta Ao Lar voltam, dessa vez em dinâmicas um pouco diferentes, como o namoro relâmpago, meloso e engraçadíssimo de Ned e Betty, e MJ sendo cortejada tanto pelo personagem principal quanto por Brad, um novo membro da turma. As cenas de Peter com MJ são um deleite, com toda a inabilidade de ambos de dizer o que querem, o que deixa a relação mais divertida ao mesmo tempo em que você só quer ver aquele casal junto. Tom Holland e Zendaya nos fazem acreditar na falta de jeito daqueles personagens muito bem.
Visualmente, Longe de Casa é um dos filmes mais bonitos do MCU. Ao mesmo tempo em que se passa no mundo real, ele faz muito bom uso de cores mais exageradas, principalmente nas batalhas mais “brilhosas”. As cenas que mostram o real potencial dos poderes de Mysterio, o herói que veio de outra dimensão, são possivelmente uma das coisas mais bonitas e legais de se ver nesses 11 anos de história.
Aqui entramos em zona de spoilers: não era mistério (hehe) para os fãs e quadrinhos que Mysterio era um personagem de caráter dúbio, afinal ele é um vilão clássico das histórias do Aranha desde os anos 60. Porém, como ele nunca havia aparecido em nenhum filme anterior e com a apresentação do plot de universos paralelos visto no trailer, ainda ficava a dúvida se essa não seria uma nova interpretação da figura, um Mysterio para uma geração que não o conhecia ainda, coisa que a franquia já havia feito anteriormente com outros personagens, como o Abutre de Homem-Aranha: De Volta ao Lar e Killmonger de Pantera Negra.
Mas o que vemos é um Mysterio bem próximo do que há nos quadrinhos, que usa ilusões para realizar seus planos, só que dessa vez de maneira mais tecnológica. Neste filme, Quentin Beck, o “ator” por trás do vilão (num subplot parecido com o do Mandarim em Homem de Ferro 3), é um ex-funcionário revoltado das Indústrias Stark. Jake Gyllenhaal dá um show interpretando ambas facetas do personagem, a heróica e amigável que apresenta para Peter Parker, e a cartunescamente maquiavélica que aparece depois que seu plano é revelado.
A imagem e o nome de Tony Stark são presente durante o filme inteiro, mais até que no filme anterior em que o personagem participava ativamente da história. Esse é o ponto mais baixo do filme. Parece que há uma dependência muito grande de colocar sua presença ali para ainda permanecer uma ligação com o resto do universo e dar um peso ou razão às ações de Peter. O link do filme com o MCU já é feito também com a participação (mais ou menos) de Nick Fury e Maria Hill no filme todo e o personagem do Homem-Aranha tem o potencial (já provado em todos os anos que ele existe) de ser bem aproveitado e forte sem a necessidade de estar sempre se lembrando do Homem de Ferro. A cena em que uma roupa nova para o Homem-Aranha está sendo “construída” no avião das Indústrias Stark e Peter simula o jeito que Tony Stark construía sua armadura em seu primeiro filme dá uma sensação ambígua, por lembrar o público do início dessa jornada lá em Homem de Ferro em 2008, mas também há a idéia de que esse Homem-Aranha não é muito além de um Garoto de Ferro.
Mas foi outra presença que fez com que os fãs se sentissem em um filme mais antigo: a aparição de J. Jonah Jameson, interpretado por J. K. Simmons, o mesmo que o interpretou como chefe de Tobey Maguire nos três filmes originais do Teioso. Sua chegada fez com que boa parte da sala de cinema gritasse e batesse palma. Esse sim foi o plot twist mais forte do filme (mesmo que um “meta plot twist”), mas que infelizmente só acontece pós-créditos. A cena inclusive mostra que depois dos acontecimento de Longe de Casa o mundo sabe a identidade secreta de Peter Parker, o que deve ser explorado em um terceiro filme (ou em um filme de outro personagem, já que o MCU tem esse costume de misturar plots entre filmes às vezes).
Homem-Aranha: Longe de Casa ainda é uma aventura muito divertida de se ver (se possível, ainda no cinema, pra melhor aproveitar os efeitos visuais de Mysterio), principalmente se você gosta do primeiro filme e se você estiver com muita sede de Marvel depois de Ultimato.