Serial Reader: Tudo o Que Nunca Contei | Iradex

Serial Reader: Tudo o Que Nunca Contei

Confesso que a premissa de Tudo o Que Nunca Contei provavelmente jamais teria me atraído se eu tivesse esbarrado neste livro em um sebo ou livraria qualquer. O que me fez dar uma chance a ele foi o coro de recomendações fervorosas que li a seu respeito, coro este do qual agora me sinto na obrigação de fazer parte. A história se passa em 1977 e é sobre uma família sino-americana que vive em uma cidade da qual eles não sentem fazer parte e onde nunca de fato se adaptaram. Numa manhã de primavera, a filha adolescente da família, Lydia Lee, não aparece para o café da manhã e mais tarde seu corpo é encontrado num lago. Lydia era uma estudante promissora, aparentemente feliz e cheia de sonhos, o que faz com que todos questionem o que teria levado a jovem a sair de casa e se aventurar num lago, quando ela sequer sabia nadar.

Não sei vocês, mas esse é o tipo de história que não se vende sozinha para mim. Logo que vi a sinopse pensei que podia se tratar de uma trama policial e naquele momento estava farta desse tipo de literatura, por isso não priorizei a leitura. Porém, diante de tantas críticas recheadas de elogios, mantive o livro na minha lista até que este ano finalmente resolvi lê-lo.

Trama policial? Nem de longe. Tudo o Que Nunca Contei é um livro sobre relações, inseguranças, traição, isolamento, arrependimentos... é um livro sobre pessoas. Sobre emoções e sobre a necessidade de pertencer. É uma história que dá vida e expõe seus personagens de uma maneira tão honesta que é difícil não se sentir ligada a cada um deles.

As escolhas narrativas feitas pela autora, Celeste Ng, são primorosas. No grande esquema das coisas, a história do livro é pouco original e não fala de nada que já não tenhamos lido ou vivenciado antes. O grande diferencial é como Celeste narra essas experiências, sendo capaz de expressar tudo de uma maneira que transita facilmente entre o simples e o complexo, sempre de forma sincera e profundamente tocante. Sou uma grande fã da simplicidade pois acredito piamente na afirmação de que se você não sabe explicar algo de um jeito simples é porque você não entendeu o que está explicando. Celeste domina esta simplicidade de forma belíssima, e isso vai desde a sua escolha de palavras para falar de sentimentos que muitas vezes não conseguimos expressar, até a cronologia que mescla dias passados e atuais com uma fluidez admirável. Acredito que grandes autores possuem o talento para tornar qualquer história algo digno de ser contado. Celeste Ng vai além deste talento - ela tem um dom. Li o livro em inglês e espero que a tradução seja fiel à toda a sensibilidade da narrativa que a autora construiu. Obviamente, já comprei a edição em português e pretendo ler de novo quando estiver emocionalmente preparada para isso.

Quando digo que preciso me preparar não é exagero, pois esse livro partiu meu coração. A dor que senti foi além do emocional. Ela se manifestou de forma física a ponto de eu precisar parar a leitura por um momento. Foi curioso pois ao começar o livro, ainda que ele tenha me agradado desde o início, não imaginei que eu me envolveria tão intensamente. O autor Carlos Ruiz Zafón escreveu que livros são como espelhos, só vemos neles o que possuímos dentro de nós. Partindo do pressuposto que isto é uma verdade, Tudo o Que Nunca Contei foi um espelho capaz de refletir sentimentos, dores e desejos que eu sequer sabia que existiam dentro de mim. Foi difícil escrever esta crítica pois, ainda que eu tenha escrito tudo o que gostaria, sinto que não fiz jus a quão especial e única essa história é. Porém espero que, de alguma forma, isso tenha ficado claro pois se eu tivesse que escolher um livro que melhor traduz o que é ser humano, escolheria este.


Ana Negreiros é atriz, leitora, mãe de três gatos, louca por tatuagens e viciada em Red Bull em recuperação. Ela acredita em lobisomens.