Serial Reader: Tudo Pode Ser Roubado | Iradex

Serial Reader: Tudo Pode Ser Roubado

Livros são, para mim, o melhor tipo de presente. Por isso, quando recebemos a versão digital de Tudo Pode Ser Roubado aqui no Iradex, fiquei feliz sem sequer ter lido a sinopse do livro. Ao lê-la, fiquei mais feliz ainda pois me interessou de cara. Talvez vocês já ouviram falar da autora, Giovana Madalosso, cujo primeiro livro de contos, A Teta Racional, de 2016, lhe rendeu críticas positivas. Eu particularmente não sabia nada sobre Giovana e agora mal posso esperar para conferir os outros trabalhos dela.

Em Tudo Pode Ser Roubado, lançado em 2018 pela Editora Todavia, a protagonista – cujo nome nunca é mencionado e é carinhosamente chamada por um dos personagens de “rabudinha” – é uma garçonete num badalado restaurante de SP e sua renda extra é resultado de furtos que ela comete. Abordada em seu local de trabalho por um estranho que lhe oferece uma alta quantia em dinheiro para que ela roube um livro raro, Rabudinha se vê diante de uma oportunidade suspeita e tentadora. O livro em questão é uma edição de 1857 de O Guarani (sim, aquele do José de Alencar que todo mundo leu – ou deveria ter lido – na escola). Sob esta premissa se desenvolve uma história incitante e divertida, que também nos faz refletir, talvez justamente por não se colocar de maneira óbvia numa posição que evoca a reflexão.

Narrado em primeira pessoa, o grande trunfo do livro está em sua narradora. Rabudinha é uma personagem interessante, cuja voz ressoa com qualquer tipo de leitor. Um dos motivos que me fez gostar do livro já nas primeiras páginas foi justamente a personalidade da protagonista, que em poucas linhas já se mostra dona de uma acidez nata, bem como de uma inteligência deliciosa. Escolhi especialmente esta palavra porque é de fato delicioso ler um livro onde a mulher que o protagoniza jamais é definida por um rótulo clichê. Rabudinha não é uma “personagem feminina forte”, ela não está ali como anti-heroína e muito menos como a típica mulher problemática cujos questionamentos caricaturais a tornam fascinante para homens. Rabudinha apenas é. Num mundo em que o feminismo mainstream trata quase como obrigação que toda personagem mulher seja feminista-forte-guerreira, é revigorante ler sobre uma mulher a quem é dada a chance de simplesmente existir, sem que seja atrelada à tal existência a necessidade de fazer dessa mulher um exemplo. Ser capaz de empatizar com a personagem – e me ver nela – já no início com certeza tornou a leitura ainda mais prazerosa. Graças à sua narrativa envolvente, forte e crua, a obra jamais estagna, o que nos torna mais e mais próximos de sua narradora a cada página.

Aos que julgam livros pela capa (quem nunca?) não se deixem enganar por esta. É um trabalho bonito, sem dúvidas, mas me remeteu a livros de fábulas teen ou livros escritos por Youtubers, duas categorias em que Tudo Pode Ser Roubado definitivamente não se encaixa.

Ao terminar a leitura, fui imediatamente pesquisar sobre a autora (e mandei uma solicitação de amizade no Facebook também, porque sou dessas). Giovana Madalosso é formada em Jornalismo, trabalhou como redatora publicitária e escreve roteiros para a TV. Numa das entrevistas que assisti, ela fala sobre como há alguns anos, se alguém lhe perguntasse quais eram as suas referências, os nomes em sua lista seriam apenas de homens. Graças a isso, Giovana decidiu procurar por mais autoras e acabou descobrindo mulheres incríveis que não tem o mesmo espaço que seus colegas homens e cujo trabalho é pouco – ou nada – impulsionado pela mídia.

Faço aqui então minha simbólica parte: leiam este livro. Pesquisem sobre os outros trabalhos da Giovana. Até adicionem a Giovana no Facebook se forem sem noção que nem eu. O importante é que vocês tenham a curiosidade de descobrir mais e mais mulheres que escrevem. É assim que talentos como o de Giovana podem – e devem – finalmente virar referência.


Ana Negreiros é atriz, leitora, mãe de dois gatos, louca por tatuagens e viciada em Red Bull em recuperação. Ela acredita em lobisomens.