Em busca da imagem perfeita, um fotógrafo é capaz de ir longe. Às vezes, longe demais.
O Fotógrafo é um conto escrito por Claudio Gaspari, distribuído em primeira mão aqui no Contos Iradex.
O Fotógrafo
- Precisa ficar perfeito - pensou, antes de ajustar o foco da Canon.
- Apenas uma chance...
Era a regra que havia criado para tornar aquilo mais prazeroso. Uma espécie de jogo do qual era o único participante e juiz de si mesmo. Pensou em quebrar essa regra apenas uma vez, mas não faria isso. Era um momento muito especial para ele. Tinha uma leve ideia do que aconteceria dali para diante, mas as coisas nem sempre eram como as pessoas acreditavam. Ainda mais na distância que precisou percorrer para chegar até aquele local. As informações de posição eram relativamente precisas, mas a data... As pessoas não acreditariam como aquela data estava errada.
Tentou manter uma distância considerável. Ser discreto era uma questão de sobrevivência na maioria das vezes e não arriscaria logo naquele lugar.
- Bárbaros - pensou, ao ver aquele homem sendo torturado.
As pessoas ao redor gritavam coisas que ele não compreendia, mas estava claro que não eram elogios. A turba era menor do que esperava. Isso era ruim. Costumava ser mais fácil se misturar entre multidões. Mas ali, no meio de menos de 20 pessoas, poderia chamar uma atenção indesejada. Entretanto, era cuidadoso. Estava perfeitamente integrado aos costumes locais e sua vestimenta era adequada para a ocasião.
Rezou para não ser abordado por ninguém, em especial pelas figuras autoritárias em uniformes vistosos.
- Rezar.
Riu da situação. Rezar pra quem, mesmo? Se pudesse contar para alguém, será que também ririam daquela dubialidade?
Chegou o momento. Por muito tempo imaginou qual seria a hora mais propícia para aquela foto. Decidiu que seria ao fim de tudo. Quando o homem já estivesse morto. Assim, poderia acompanhar todo o trajeto que o levou até aquele derradeiro destino.
O homem gritava a cada agressão. Estava cada vez mais difícil acompanhar aquela cena. As pessoas ao redor não deviam pensar assim. Haviam sorrisos cruéis nas suas faces e uma curiosidade mórbida estampada no rosto de algumas crianças que acompanhavam o grupo. Mas estava acabando. Ele não poderia durar mais e logo morreria. Poderia tirar sua foto e voltar para casa.
Eis que algo curioso aconteceu. O moribundo o notou. O olhar, antes perdido em lamúrias, fixou na sua direção. E aquela expressão, era um sorriso? Podia jurar que era um sorriso. Ou seria apenas um espasmo involuntário frente a tão grande tormenta? O homem ensanguentado balbuciou algo e o fotógrafo sentiu seu corpo gelar. Não por compreender o que foi dito, afinal, não saíram sons daquele corpo surrado, mas sim por parecer que era direcionado para ele.
Não houve tempo para questionamentos. De súbito, o torturador deu o golpe fatal e acabou com o sofrimento daquele homem.
Era a hora. Levantou a Canon envolta por uma camurça até os olhos e deu o único clique que precisava.
A volta para casa foi longa, penosa e complexa. Não foi fácil chegar ali e não seria fácil retornar. Todavia, dois meses depois, estava em sua casa. Preparou a câmara escura com cuidado, como sempre fazia, revelou a foto e admirou. Orgulhava-se da sua obra.
Jogou o negativo numa lixeira de metal, acendeu um fósforo e o destruiu.
Repetiu o ritual que cumpria a cada foto de sucesso. Sentou à mesa da sala e abriu uma garrafa de Pétrus.
O álbum de capa de couro já estava aberto na próxima página a ser preenchida, 327. Olhou mais uma vez, sorriu e colocou a foto do homem crucificado de forma centralizada.
Relembrou, na mente, tudo o que o levou até ali. Fotos que poderiam mudar a história da humanidade. Responder perguntas, solucionar crimes. Mas esse nunca foi o objetivo. Elas eram para ele e apenas ele.
Esse conto foi escrito por Claudio Gaspari para o Contos Iradex. Para reprodução ou qualquer assunto de copyright o autor e o blog deverão ser consultados.