Uma história nunca tem um lado só. Daniel se perguntava porque tinha feito aquilo, só não teve tempo de achar uma resposta.
Uma Nova Vida é um conto escrito por Amauri Vargas, ilustrado por JP Martins e distribuído em primeira mão aqui no Contos Iradex. Embarque na terceira parte dessa leitura.
• Parte 01 - O Ataque
• Parte 02 - A Morte
Se quiser uma imersão durante a leitura, coloque os fones e ouça “On the Nature of Daylight”, de Max Richter.
Uma Nova Vida: O Destino
Religioso, a exemplo de tudo o que a mãe lhe ensinou, Daniel refletiu durante dias os motivos que o teriam levado a fazer aquilo. “Porque não hesitei? Porque não pensei em que parte acertar? Porque não mirei nas pernas? Cinco segundos teriam mudado tudo”. Levou a mão machucada até a testa, cobrindo os olhos que não podiam encarar a própria imagem no espelho do banheiro.
Caminhou alguns passos em direção à um dos armários e tirou a parte debaixo da farda no vestiário, que permanecia vazio. Apenas de cueca e meias da cintura para baixo, enquanto repousava a arma ponto quarenta com a mão esquerda, usou a direita para ligar o celular. Tirou a jaqueta com a patente de subtenente grudada por um velcro grosso.
Era final do expediente administrativo no qual foi alocado durante a investigação de homicídio. Ele poderia então ir para casa e se afundar na cama que a própria mãe arrumou mais cedo, já que a diarista estava doente.
Conseguiu se vestir e, ao encarar novamente a tela do aparelho, viu várias chamadas perdidas. Estranhou, mas nada que o alertasse, mesmo depois de ler o número dela. Caminhou até o estacionamento, parando antes para falar com o superior.
- Valim, o incidente do parente da vítima na porta da sua casa não vai ser incluído na investigação. Eu convenci o Major que tudo aconteceu na rua. Então fica por isso mesmo.
- Obrigado Capitão - respondeu. Ainda teve um - Vai na paz, garoto - de volta, seguido de um aperto de mão e um tapinha nas costas.
Voltou a caminhar e, já fora do edifício, alguns passos mais à frente ouviu uma voz conhecida. A ligação fez sentido naquele exato momento. E ele imaginava o que estava por vir.
- Você me fodeu esse tempo todo e achou o que? Que eu não ia descobrir?
Daniel teve medo, mas o instinto o fez girar cento e oitenta graus em torno do próprio eixo.
- Bataglia, calma, vamos conversar...
- A conversa contigo vai ser na bala. Você tem coragem de trair um parceiro teu, um cara que olha pela tua vida todo dia na rua? Um cara que recolhe teu corpo estirado no chão, se bandido te peneirar?
- Bataglia, eu posso explicar...
- Eu não vim aqui pra conversar meu irmão. Você fez a minha mulher me beijar com a mesma boca que ela usou pra chupar o seu pau? Seu filho da puta. Você merece bala.
O homem de camiseta branca, jaqueta de couro e calça jeans disparou três vezes praticamente a queima roupa. Após o corpo de Daniel ir ao chão, seus olhos permaneceram abertos. O outro subtenente, que permanecia de pé, encostou a ponta da arma contra a própria cabeça, queimando imediatamente uma de suas têmporas. E disparou.
Durante o período em que foi mantido longe do trabalho, Giovani leu praticamente todos os dias e, naquele dia, hora do jantar, a comida deixada por uma amiga foi requentada no micro-ondas antes de ser engolida em frente à TV.
Ele viu o âncora do telejornal ler uma nota sobre “o policial que matou a esposa em casa, assassinou o amante dela no local de trabalho e em seguida se suicidou”.
Paralisado, ouviu ainda que um dos mortos era “o mesmo policial que tirou a vida de um homem durante as manifestações, no centro da cidade, um mês antes”.
Giovani recostou-se na poltrona tentando digerir tudo aquilo e, ao contrário do que esperava isso não o fez sentir-se melhor. Era tudo triste demais, na realidade.
Com ajuda do controle remoto apagou a TV naquele mesmo instante, tirou o telefone do gancho, desligou o celular e foi se deitar.
Esse conto foi escrito por Amauri Vargas e ilustrado por JP Martins para o Contos Iradex.
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