Às vezes, tudo o que desejamos é encontrar nossa alma gêmea.
Sete é um conto escrito por Sandro Ataliba e distribuído em primeira mão aqui no Contos Iradex. Embarque nessa leitura.
Sete
Esta poderia ser apenas mais uma história de amor como tantas outras.
Cansado das inúmeras tentativas frustradas, Ronaldo pensava em desistir das ferramentas digitais que deveriam facilitar suas interações sociais e dar um fim a sua solidão. Tentara Tinder, Happn, Hot or Not, Badoo, Par Perfeito, e-Harmony e DateMe. Marcara diversos encontros. Conhecera a Ana, a Luíza, a Marcela, a Débora, a Roberta, a Talía... e nada! Prestes a desinstalar seu último aplicativo, ele começou seu processo de sempre. Sete perfis visualizados por vez.
A esta altura da história, vale informar que o rapaz tinha uma relação especial com o número sete. Nascera em 21 de Julho de 1997, era o sétimo neto tanto de seus avós paternos quanto dos maternos, sua mãe tinha dois irmãos, seu pai um irmão e duas irmãs. Morou a maior parte da sua vida na Avenida Sete de Setembro. Tinha sete anos quando sua irmã do meio nasceu, e quatorze quando da chegada do caçula.
O primeiro perfil não agradou, o segundo também não, e nem o terceiro. A quarta candidata tinha cabelos cacheados, óculos de bibliotecária e um verso dos Los Hermanos na descrição. Motivos de sobra para um swipe right. Um breve momento esperando o match imediato... e nada. A quinta tinha como foto de perfil uma foto com abadá e um copo de plástico na mão. “Não, obrigado!”, pensou ele. A sexta tinha fotos interessantes, diferentes dos clichês tão presentes nessas ferramentas, mas no perfil havia uma citação à Bíblia. Foi por pouco.
Demorou-se um pouco a passar para a próxima, pois sabia ser a sétima. Provavelmente sua última sétima. Talvez excluísse o aplicativo mesmo antes de ver se a quarta, de nome Rebeca, corresponderia ao seu interesse. Contou mentalmente até sete e... Daniele. Rosto simétrico. Olhos de um azul profundo. Cabelos pintados em estilo arco-íris, presos em um coque. Óculos. Aparelho. Camisa do Pearl Jam. “Agora vai!”, pensou, esfregando as mãos em pensamento.
Segunda foto, um cachorro; terceira foto, uma fantasia de Hermione; quarta foto, um sorriso de tremer os joelhos; última foto, biquíni. Bingo! Um corpo natural, sem músculos, e com aqueles excessos estrategicamente posicionados. Tatuada: uma estrela, uma tribal, notas musicais, runas élficas... RUNAS ÉLFICAS! Mas o que mais chamou a atenção do solitário romântico foi a descrição do perfil: “Uma das sete maravilhas do mundo, adepta dos sete pecados capitais.” Ah, o sete! Nunca o decepcionava!
Tratou de usar o recurso especial da ferramenta, pra deixar claro que a menina chamara sua atenção. Pouco importava se pareceria desesperado, o que não deixava de ser parcialmente verdade. Agora era esperar. E Ronaldo esperou. Quatro dias de ansiedade, cortados por três noites mal dormidas. Até que o aplicativo deu sinais de vida: Daniele tinha pagado para ver.
Um dia de divertidas conversas pelo próprio aplicativo, mais dois de áudios trocados pelo Whatsapp, e finalmente eles se encontraram. Jantar no Outback - onde ela não quis dividir as batatas -, discussões filosóficas - onde ela uma ou duas vezes fez questão de mostrar como era mais culta do que ele -, e uma ressaca pós-barriga cheia que os fez desistirem de tentar um cinema e irem direto para a casa dela, para ver um filme no conforto do sofá.
Ronaldo vibrou mentalmente quando sua companhia colocou o blu-ray de “Se7en”, enquanto só externou ser aquele um de seus filmes preferidos. Mal sabia ele que não veria o fim do filme, já que pouco depois da primeira meia hora de filme, os dois já estavam atracados, roupas espalhadas pela sala, diálogos sendo abafados por sussurros e gemidos. Que noite!
Ao amanhecer, Ronaldo, ainda sonolento, abriu o primeiro sorriso da nova vida, ao constatar que a estrela tatuada no corpo de sua nova amada era uma combinação de cinco números sete. “Valeu amigão!, disse ele baixinho, mas não o suficiente, pois acordou Daniele. Ela deu um pulo ao abrir os olhos, e saiu em desabalada carreira em direção ao banheiro, onde ficou por alguns minutos. Quando voltou, ao ser indagada, a mulher sorriu e respondeu: “tá muito cedo no namoro pra você já me ver acordando descabelada!” NAMORO! Ronaldo poderia ter se desesperado, tido crise de pânico, pensado numa desculpa qualquer para sair dali em desabalada carreira... mas simplesmente sorriu de volta. “Namoro”. Aquela palavra, assim como a ideia que ela carregava, soava bem. “Quero te ver assim todos os dias.”, ele retrucou.
Assim passaram as semanas, vieram os meses, e tudo caminhava como num conto de fadas: tardes de almoço, noites de cinema, fins de semana de muito sexo. Famílias felizes, amigos com inveja, planos, tudo como deveria ser.
Como ambos tinham em comum o amor pelo número sete, decidiram comemorar o “aniversário” no sétimo mês. “Danem-se as convenções sociais!”, bradaram entre quatro paredes. A noite foi planejada, e seria especial. Velas, música ambiente, camisola nova... na cabeça de Ronaldo passara pouco mais de um segundo entre ele abrir seu presente – um par de algemas – e estar algemado na cabeceira da cama, nu, com sua amada dançando sensualmente em cima dele, com um pé de cada lado de seu corpo, e logo em seguida deitando-se sobre ele. Ronaldo fechou os olhos no momento em que os dois corpos se conectaram.
Esta poderia ser apenas mais uma história de amor como tantas outras, não fosse a mudança repentina no olhar de Daniele, ao tirar de trás do travesseiro um celular, com um print de uma tela do cupido digital, da resposta de Rebeca. Sete meses atrás, durante o primeiro encontro do casal, a intrusa tentara roubar o que era dela. Sete meses dissimulando, remoendo, tentando sufocar no fundo de sua alma o monstro de sua raiva, que agora gritava por seus olhos cor-de-piscina.
A mulher, que voltou a beijar seu namorado enquanto dizia que ele era só dela, levou novamente a mão para trás do travesseiro. Ronaldo, sem saber o que esperar, ainda sentindo-se pressionado pelos músculos da namorada, mal teve tempo de pensar entre o momento em que Daniele suspendeu novamente o corpo e o impacto perfurante da lâmina fria em seu estômago. O grito de dor foi sufocado pela segunda estocada, e depois pela terceira, e pela quarta. O sangue já vertia em abundância, e a mulher continuava os golpes. Sete ao todo.
Enquanto Ronaldo se debatia em desespero, Daniele levantou-se calmamente, e foi em direção ao banheiro. A água da pia jorrou por sete segundos, depois parou. A mulher voltou com um copo d’água na mão. Foi ao criado mudo, abriu a gaveta, pegou um frasco, e começou a tomar os comprimidos nele armazenados. Um por um, lentamente, alternando-os com goles d’água. Sete comprimidos, sete goles d’água. Daniele olhou fundo nos olhos do moribundo Ronaldo, que batalhava com seus últimos suspiros, e sentenciou: “nos vemos onde seremos só nós dois, sem ninguém para te tirar de mim.” Ela então deitou ao seu lado, pouco importando-se com a poça de sangue que sujava sua camisola nova, e fechou os olhos.
Esse conto foi escrito por Sandro Ataliba para o Contos Iradex. Para reprodução ou qualquer assunto de copyright o autor e o blog deverão ser consultados.