O texto abaixo foi escrito por mim, Pedro PJ Brandão, após convite da equipe do jornal O Povo, aqui de Fortaleza, para a sessão de Opinião. Originalmente, ele foi publicado no dia 25 de fevereiro de 2017 e pode ser lido nesse link. Acontece que, depois de enviar o texto ao jornal, os planos mudaram novamente, e escrevo mais sobre isso na parte 2.
Parte 1: Descanso para quem é de descanso
Acordar cedo para pôr a bolsa no porta-malas. Subir a serra, fazer joguinhos dentro do carro para o tempo passar mais rápido. Abrir a casa que há muito tempo estava fechada e estender a rede para ler. Foi assim o meu Carnaval nos últimos dois anos, eu e mais um grupos de amigos reunidos no frio da cidade de Mulungu juntos a uma paixão em comum: quadrinhos.
Pra mim, o Carnaval é um momento de pausa, de busca pela tranquilidade, de dormir até mais tarde. Nem de longe julgo os que gostam da farra. Farra para quem é de farra, descanso para quem é de descanso. Não há motivos para se ter raiva de um período como esses, motivos maiores tenho para não gostar do período entre carnavais.
Mas, pera, para onde eu vou neste ano? Nosso plano de ir para Mulungu acabou indo por água abaixo, que nem a chuva que cai em Fortaleza. Mas não desistimos, temos quadrinhos demais para ler e um Carnaval inteiro pra aproveitar. Falando em chuva, lembrei que há uns anos fui para um dos Pré-Carnavais de Fortaleza. Chovia. Tocava frevo. Tava lotado. Foi massa! O ano todo, a gente costuma ficar preso na rotina, e é nesse período pagão do ano religioso que se procura extravasar a alegria ou experimentar coisas novas.
Um fato engraçado: a cada ano que passa, mais gente cai na folia vestido de Mulher Maravilha, Batman, Homem Aranha, Superman. E não só crianças, o tanto de adulto que está correndo atrás de se fantasiar de herói não está no gibi. Os heróis voaram das HQs para o mela-mela. São seres ficcionais que há anos se tornaram parte da mitologia coletiva. Pagões ou religiosos, tanto faz, o Carnaval é um período tão apertado em um ano tão grande que tudo se mistura, se condensa, do funk aos Vingadores, da Liga da Justiça ao forró. É um sincretismo danado.
Enquanto escrevo este texto, ainda não sei para onde vou no feriadão. Acabei de receber também uma notificação do Netflix, uma série nova chegou ao catálogo. Está aí um bom programa, talvez eu vá desfilar no bloco Acadêmicos do Streaming, maratonar aquelas duas ou três séries em que estou atrasado. Por sinal, domingo tem entrega do Oscar, e falta tanto filme para ver. Talvez eu passe meu Carnaval junto com os amigos Meryl Streep, Denis Villeneuve, com as estrelas além do tempo. Um cineminha cai bem.
Tem alguém me mandando mensagem. Opa! Conseguimos uma casa de praia pela Tabuba. Já vou ali na minha estante separar as HQs que levarei para ler entre uma braçada e outra no mar. Desconstruindo Una, O Escultor, deixa eu levar esse aqui do Neil Gaiman, esse outro da Sirlanney, esse do Alan Moore... Neste Carnaval, o trá-trá-trá que eu vou ouvir vai ser o da metralhadora do Justiceiro e quem vai dar onda é o Aquaman. E já tô ansioso para o Carnaval do ano que vem.
Parte 2: Folia para quem é de folia
Os planos para ir à Tabuba acabaram não dando certo também. Recoloquei os quadrinhos na estante e voltei a refletir sobre o que fazer. Na quinta à noite antes do Carnaval, eu tinha evento para ir. Na sexta também. Depois desse evento na sexta, o aniversário de uma amiga. Outra amiga me convidou pro seu aniversário no sábado. No domingo, combinei de ir à casa da Luiza para assistirmos à entrega do Oscar.
Assim, como se estivesse dentro de uma multidão curtindo um trio elétrico, fui levado por inércia pros lugares, junto com as pessoas ao meu redor. Quando notei, era segunda, e eu já estava curtindo frevo e maracatu no Mercado dos Pinhões, depois no Estoril cantando Backstreet Boys com uma batida carnavalesca. Antes do fim do show, a chuva caiu torrencialmente, fiquei pulando e dançando com minha blusa de Power Ranger preto enquanto um ou outro relâmpago assustava a gente. A terça foi minha quarta de cinzas, fiquei em casa assistindo filme. E a quarta de cinzas é o dia em que escrevo essas linhas trôpegas de quem curtiu o Carnaval aos trancos e barrancos, descendo as ladeiras da vida.
Tem aquela música do Johnny Hooker que fala que "quando chegar fevereiro, eu quero ser Carnaval, o meu corpo no seu, no desbunde geral". Fui procurar o significado de "desbunde" e encontrei que é o sentimento de deslumbramento diante de algo ou de alguém. Ainda tô me recuperando do deslumbramento que tive nos últimos dias. Não cheguei a me divertir tanto como em carnavais anteriores, mas sim, me diverti, e me deslumbrei com a gama de pessoas que conheço, das amizades que fortaleci nos últimos anos e de como isso tudo decidiu me empurrar pro meio da rua.
Os quadrinhos ficaram na estante, mas isso não quer dizer que voltei pra casa sem ter lido boas histórias.