Mudança | Iradex

Mudança

Tudo na vida muda. Inclusive nós. Apesar de nós e apesar de não estarmos sempre de mudança. O quanto temos mudado, crescido e amadurecido?

Mudança é um conto escrito por Mackenzie Melo, distribuído em primeira mão aqui no Contos Iradex.


Mudança

Quando eu falo, falo a verdade.

Eles dizem que eu não falava. Isso já foi verdade.

Mas eu não falo pelos cotovelos. Quem já viu! Boca no cotovelo!

Sabe, acho engraçadas essas expressões que as pessoas criam. Já imaginou se alguém falasse por eles mesmo? Todo mundo sairia correndo com medo de quem fizesse isso.

Eu jamais correria.

Dia desses Luiz chegou em casa com uma novidade. Os meninos adoraram. Eu não sei se gostei. Ainda vou descobrir. Só sei que ele chama todo mundo pelo mesmo nome. Coisa esquisita. Estranho esse presente.

Passado.

Outro dia tinha uma música tocando. Ela se encaixou em mim como uma luva. Não, luva não. Como a atmosfera. Respiro.

A música é de um homem. Não lembro o nome dele. Sei que eram dois nomes. Lembro também que quando ouvi - não, não a música - ouvi seu nome, pensei em algo essencial. Esqueci mesmo. Depois lembro. Depois lembro o nome da música também. O nome da música também me fez lembrar de algo essencial.

Ela me fez querer dançar como fazia quando sentia a brisa. Flora. Ela que estava ouvindo a música. Mas foi a música que me fez querer dançar. Quer dizer, Flora também me fez querer. Querer sem poder. Mesmo assim, ser feliz.

Hoje meu corpo já é mais pesado e não danço tanto com ventos fracos. Preciso de mais energia, mais estímulo. Estou com o corpo mais inchado. Como ela quando estava esperando Samuca.

Esperar.

Palavra engraçada para representar aquilo que tanto esperançamos.

Eu, como a flora, vivo plantada. Não, não ache que estou triste. Não sou. Faço com alegria todas as minhas tarefas. Inspiro ar. Inspirei o Arnaldo.

Ah, é isso mesmo, Arnaldo. Por isso achei que ele era essencial. Ar, árvore... Isso, essa era a música. As árvores.

Futuro.

De todos os que estão em casa agora, acho que sou quem mais viverei. Mas é claro que um dia também expirarei. Expiro, ainda sem data de validade, sempre durante o dia, oxigênio.

Que gênio esse Arnaldo. Ele é um ás. Asnaldo Artunes. Acho que esse deveria ser o nome dele.

Ele é essencial. O ar é. Eu não sei se sou. Sei que sou. Sei o que sou.

Gosto de balançar, de dançar. Quando me fazem dançar, com bastante vontade, distribuo presentes a todos.

Apesar de estar sempre plantada e de não me mudar, estou constantemente mudando, mesmo sem sair do lugar. Sou eu mesma, sem ser sempre a mesma.

Como falei lá atrás, já foi verdade que eu não falava.

Nisso não mudei muito. Até hoje ainda não falo.

Já fui muda. Hoje sou pé.

Laranjeira, sobrenome Lima.

Prazer.


Esse conto foi escrito por Mackenzie Melo para o Contos Iradex. Para reprodução ou qualquer assunto de copyright o autor e o blog deverão ser consultados.


Sobre o autor: Mackenzie Melo é casado com uma linda e pai de outras duas. É um civil apaixonado pela vida, por sons e por palavras. Engenheiro.
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