Um dos tópicos que geram mais discussão na obra de George R. R. Martin (como se cada vírgula já não gerasse uma teoria...) são as premonições, visões ou profecias. Categorias que, até o último episódio, a série pouco explorara.
Salvo engano, apenas na Casa dos Imortais, lá na segunda temporada, Daenerys viu algumas cenas que podem significar eventos futuros, ligadas a ela, aos Sete Reinos e à saga como um todo. Mas até esses vislumbres futuros foram bem enxugados em relação ao que a Casa dos Imortais mostra à Daenerys dos livros.
Naquele episódio, Daenerys entrava na sala do trono de Westeros, que se encontrava destelhada e invadida pela neve. Ela faz menção de tocar o trono, mas um grito de dragão chama sua atenção para fora da sala. Ela atravessa um portal. Vemos Dany sair pelo portão norte da muralha. Ali há uma tenda, na qual ela adentra para encontrar seu amado Drogo com seu filho não-nascido no colo. Talvez um truque dos Imortais para mantê-la ali para sempre. Dany recusa e se manda. De todo modo o simbolismo na cena é forte.
Do mesmo modo, no sexto episódio da temporada atual, os relances que Bran vê em um turbilhão podem ser interpretados através da simbologia que eles guardam, não só para o personagem do garoto Stark, mas para toda a obra televisiva.
Momentos de iluminação, tais como esse, são raros em Game of Thrones, uma vez que os produtores preferem não mexer muito com a linearidade e coerência da narrativa para não arriscar perder parte do público, que pode já achar esticado demais uma obra de fantasia com dragões, homens sem rosto e mortos-vivos do bem e do mal.
Por outro lado, esses são momentos carregados de simbologia que, tradicionalmente, falam verdades mais amplas sobre a obra, bem como dão dicas para as motivações e os destinos de certos personagens-chave. Assim, podemos expandir o pensar sobre essas imagens, digamos, epifânicas e as relações que elas detêm umas com as outras para falar da trama geral de Game of Thrones e de seus principais temas.
Então, vejamos.
Uma visão das Visões
Bran tem uma série de visões de modo aparentemente descontrolado. Pelo jeito, ele ainda não pegou o jeito de lidar com o servidor remoto da Matrix do Corvo de Três Olhos... As imagens o atacam como um turbilhão. Elas podem estar conectadas. Ou não. Algumas são apenas flashs. Outras se demoram mais. Algumas trazem ao público cenas e personagens já conhecidos. Outras trazem personagens mais obscuros, ou mesmo uma mistura entre estes (como no caso da cena de Jamie atacando o Rei Louco).
Elas aparecem em três grandes blocos, nos quais algumas imagens se repetirão, com pequenas variações, seja na duração ou no modo como se apresentam. Então, por exemplo, algumas imagens do Rei Louco são em plano geral, outras em close-up, há outras em que ele grita “Queimem todos!” e ainda algumas em que ele é morto (e até essas são variadas).
Outro exemplo são as diversas cenas com o NightKing. Ele aparece tocando Bran, aparece transformando o filho de Craster em White Walker e aparece só sendo fodão e abrindo os braços dizendo AQUI É CONJUNTO PALMEIRA, PORRA! (quem é de Fortaleza entenderá).
O que proponho é que tentemos pensar nessas imagens como um jogo de baralho.
Digamos que o Rei Louco seja a figura do Valete. Ele irá aparecer em naipes de paus, de copas, de ouro e de espada. Dependendo do jogo que estejamos a jogar, ele se vinculará a outras cartas diferentes. Um valete de copas pode ser par de uma dama de copas ou de um valete de espada, de acordo com a regra do jogo.
Ele pode se agrupar em uma ordem dez, valete, dama e rei. Ou em grupos de cartas de copas.
A questão é: a regra não é aleatória.
A ordem e o agrupamento importam e nos orientam em relação ao jogo.
No nosso caso, quem estabeleceu as regras do jogo foram os produtores da série. Nós não conhecemos essas regras. Mas podemos tentar interpretar o jogo, através das relações estabelecidas entre as cartas que nos são apresentadas e muitas questões interessantes podem surgir daí.
Então, vejamos o que cada bloco nos traz.
BLOCO 1
A primeira parte das visões de Bran traz as seguintes imagens
- Os piromantes no túnel em Porto Real
- Drogon sobrevoando a cidade
- Rei Louco
- Night King
- Bran, ao cair da torre em Winterfell
- O que parece ser uma alvorada no extremo norte de Westeros
- Danny ao dar à luz os seus dragões
- O White Walker carregando o filho de Craster
- Night King transformando a criança em White Walker
- Catelyn Stark sendo morta
- Aquela mãe selvagem em Durolar sendo ressurreta como uma dos outros...
- E a visão termina com a decapitação de Ned Stark.
Todas essas aparecem mais de uma vez na sequência, exceto pela parte do Ned.
O que dizer dessa mão que o carteador nos deu?
Algumas imagens parecem querer se associar mais facilmente a outras (deixo para os leitores a tarefa de contribuir com algo que tenha me escapado – fiquem à vontade para comentar abaixo).
Rei Louco e o Night King
Duas figuras para além da razão. Uma que está, digamos, clinicamente louco e outra que ainda não somos capazes de compreender. Ou talvez dois líderes cujas motivações estejam obscurecidas por enquanto. Gelo e fogo. Se unirmos esse par às ameaças iminentes representadas pelo dragão que paira sobre a cidade e o fogo-vivo armazenado em seu subterrâneo, podemos vislumbrar o real perigo que tais governantes podem representar para populações inteiras.
Dragões, fogo-vivo e White Walkers
Três ferramentas de violência que foram criadas ou subjugadas em favor da guerra pelos homens (ou crianças da floresta no caso dos WW), mas que podem a qualquer momento fugir do controle. A questão comum talvez seja exatamente a volatilidade desses elementos e o perigo extremo que eles representam, uma vez que podem inclusive se voltar contra seus criadores.
Nascimentos e mortes
Parece haver uma compreensão cíclica dos eventos e das vidas humanas, talvez um entendimento de que nascimentos e mortes são duas faces de uma mesma coisa. O sol nasce, os dragões de Daenerys nascem (aí também pode se estabelecer um vínculo de esperança), os White Walkers (re)nascem, Ned e Catelyn morrem, Bran cai da torre. Começos e fins.
Outra interpretação possível para essas últimas cenas é a de que Bran viu aquilo que seus sentimentos buscavam, sua mãe e pai, infelizmente, mortos. Nesse caso, poderíamos dizer que foram visões afetivas.
Mães-zumbi
Esse foi meu maior choque e empolgação, ao fazer o levantamento desses flashs. Pode haver aí um querer demasiado, mas parece que há uma indicação forte de que teremos Lady Stoneheart nos próximos episódios. Ou talvez os produtores estejam apenas fodendo com a gente. Mas, por que inserir 2 vezes a cena daquela personagem específica renascendo como White Walker? Uma mãe do povo selvagem que vimos em apenas um episódio, mas que teve grande destaque e empolgou muitos fãs...
Vale lembrar que a Irmandade Sem Bandeiras também foi mencionada no episódio!
BLOCO 2
Algumas das visões do bloco anterior se repetem aqui. O Rei Louco, o NightKing, o filho de Craster virando WW, Drogon sobrevoando a cidade... Porém, outras imagens novas aparecem:
- Uma série de flashs com Jamie Lannister matando o Rei Louco
- Outra série em que o fogo-vivo explode nos subterrâneos de Porto Real (Um passado que foi evitado? Um futuro possível?)
Efeito Dominó
A torrente de atos de violência, vingança e traição presentes nesse bloco parecem ressaltar um tema que é central à obra do Martin: o da causalidade. Todos os atos, até jogar um garoto do alto de uma torre, são feitos por uma razão. Não que eles estejam justificados e que devam ser aceitos, mas que eles são parte de uma corrente de eventos. São atos humanos e, portanto, podem ser compreendidos. Não são puramente maldosos ou bondosos. Essa asserção vai de encontro à representação do primeiro bloco das entidades que estão “para além da razão”, os quais se encontram mais próximos do caos e da real “encarnação do mal”.
Numa série de imagens correlatas, a partir da explosão do fogo-vivo, vemos Jamie sacando a espada frente a seu rei, Ned exigindo saber onde está sua irmã, um corpo feminino ensanguentado estendido como se estivesse deitado (Lyanna?), Rob sendo apunhalado por Roose Bolton, Jamie apunhalando o Rei Louco, Jon lutando contra o White Walker, Jamie sentado no trono de ferro e Leaf criando o NightKing. Tudo isso sob a tutela do grito “Queimem todos!” e entrecortado por outras imagens já apresentadas anteriormente.
As imagens parecem nos dizer, ecoando Sandor Clegane (o Cão de Caça), que a história do mundo é uma HISTÓRIA DE VIOLÊNCIA. A história de homens em conflito uns com os outros e consigo mesmos, lutando por sobrevivência, honra, ou glória, em detrimento dos demais.
Lyanna Stark?
Muita gente está especulando que a cena que procede a exigência de Ned saber onde está sua irmã é Lyanna Stark em sua cama de sangue. Não me parece ser o caso, mas...
Bran e Jamie? Bran e o Rei Louco?
Muito também tem se especulado sobre a relação que as visões estejam sugerindo entre Bran e alguns dos personagens descritos nelas. Poderiam as visões significar que Bran e Jamie se reencontrarão? Ou talvez que Bran comece a avançar num entendimento das ações de Jamie a ponto de quem sabe perdoá-lo? Poderia haver alguma relação entre Bran e o Rei Louco? Quem poderia dizer qual a raiz da loucura do rei? Das vozes que ele ouvia? Seria apenas a famosa loucura dos Targaryen?
Raízes e corvos
Outro elemento introduzido nessa segunda sequência de flashs é aquele que diz respeito à natureza do poder de Bran. Há imagens de corvos em revoada, de um corvo que vai em direção à tela e uma cena onde se vê um emaranhado de raízes como aquelas em que estava o Corvo de Três Olhos. Talvez elas signifiquem algo em relação ao efeito dominó descrito acima. Talvez signifiquem que seja o papel de Bran compreender. Compreender esses movimentos históricos e funcionar como guardião da sabedoria e consciência de um povo. Recairia sobre Bran também o peso da responsabilidade que acompanha essa função.
BLOCO 3
Já no final do segundo bloco, as imagens revertem para o presente de modo a mostrar a perseguição que Bran sofre naquele momento. No terceiro bloco, começamos com algumas imagens do Rei Louco (o que pode reforçar que há de fato mais na história do Rei do que suspeitamos), em seguida vemos diversas imagens do Night King e da batalha em Durolar (apesar de que não há mais, desde o primeiro bloco, imagens daquela personagem materna).
Podemos aqui também ter uma explicação mais simples para todas essas visões (já que ainda ecoa nessa sequência o grito de “Queimem todos!”). Talvez seja apenas a indicação de que o dever de Bran é queimar todos os WW, usando dragões e fogo-vivo. Repetidas vezes, gelo e fogo.
Vemos também o momento em que Bran é tocado pelo Night King. Ao que me parece, esse elemento será ainda muito relevante mais para frente. E depois voltamos à perseguição presente.
Então, acho que é isso, pessoal. Que vocês acharam? Tenho certeza que ainda há muito que se comentar, então fiquem à vontade para deixar um comentário abaixo.
Texto especialmente escrito por João Luiz