Domingo no Parque | Iradex

Domingo no Parque

por Adah Conti.

Não me entendam mal. Meu pai foi um bom pai e era um homem bom. Mas era um homem da sua época. E quando eu era criança, estádio de futebol não era lugar de menina.

Eu sempre gostei de assistir futebol e muito cedo aprendi sobre o jogo, sobre suas regras, sobre o fato incontestável de o juiz ser sempre ladrão e roubar sempre contra o seu time. Aprendi os esquemas táticos, aprendi as gírias, aprendi os hinos. Principalmente, aprendi que futebol faz você ganhar uma grande família, ligada por um laço indissolúvel que é o amor por um jogo e por um time do coração. Também aprendi que devemos respeitar nossos irmãos que amam outros times, mesmo que tenhamos certa pena deles.

Tudo isso eu aprendi com a minha avó - minha "nona" como a chamávamos - que, mesmo com o português ruim, sabia toda a escalação do Palmeiras, titulares e reservas, de todos os jogos. Pelo rádio e às vezes já pela televisão, ela acompanhava tudo. Juntas, líamos o jornal e criticávamos os cronistas esportivos que, achávamos, não entendiam nada do que estavam falando. Foi ela que me consolou quando eu, na ingenuidade dos meus oito anos, achei que iria pela primeira vez ao Parque Antártica.

Meu pai naquele domingo tinha dito na mesa do almoço:

- Hoje vamos ao jogo e vou levar as crianças.

Meu pai não ia muito ao estádio e, quando ia, era com os adultos, portanto aquilo me pegou de surpresa. Mas surpresa muito maior foi quando, já vestida de verde e cabelo arrumado num rabo de cavalo, ao procurá-lo, ouvi da minha mãe que ele tinha acabado de sair.

- Como assim?

- Ele foi no futebol com o tio e levou teu irmão e teu primo.

- Mas e eu?

- Ora, futebol não é coisa de menina.

Fui chorando procurar a nona. E foi ela que me disse que futebol era, sim, coisa de menina! Que tudo era coisa de menina, mas que meu pai e a maioria dos homens não entendiam isso. E que, apesar de nunca ter pisado em um estádio de futebol, ela tinha certeza que eu iria muitas e muitas vezes no Palestra.

A previsão dela se confirmou. Hoje e há muitos anos eu frequento estádios. Vou como eu quero. Sozinha ou com a companhia que me agrade. Cada vez que vou ao jogo, noto com satisfação que mais meninas e mulheres ganham o direito de gostarem de futebol e participarem da torcida, não só de longe, como a minha nona, mas bem de perto, nesse lugar tão especial.

Faço parte de uma geração que ainda tem muito o que conquistar no ambiente machista do futebol. Um dia espero não mais ouvir por aí que mulher não entende de futebol. Que os homens têm que disputar o controle remoto com as suas patroas para verem o jogo. Que mulher só gosta de Copa do Mundo e é por causa da festa. Espero, ainda, não ser festejada no estádio pelas comemorações do dia da mulher, por fazer parte das belas da torcida ou por ser filha, mãe, esposa, namorada ou amiga de quem nos leva.

Belas ou feias, ricas ou pobres, avós, mães, filhas, esposas, namoradas, amigas, queremos apenas ser vistas como são vistos os homens. Somos todos torcedores. Apaixonados torcedores.

PS: Dedico questa storia alla mia cara nonna Thereza.