Clássico é clássico, e vice-versa #3 - Handel | Iradex

Clássico é clássico, e vice-versa #3 - Handel

Antes de entrarmos no meu período preferido, o Clássico, ainda temos que falar sobre um importante compositor do Barroco, que muita influência terá nos séculos seguintes: Handel.

O Saxão que virou Inglês

Na madrugada de 5 de março de 1685, nascia Georg Friedrich Händel na cidade de Halle, no ducado de Magdeburg. Além da coincidência de estarmos falando dele exatamente 331 anos após seu nascimento, existem outros dois fatos curiosos que o ligam a personagens que já tivemos a oportunidade de conhecer. O primeiro deles é Bach, que nasceu com apenas alguns meses de diferença de Händel. O segundo é Vivaldi, cujo pai era barbeiro, assim como o de Händel.

As coincidências entre esses que seriam mestres da música barroca acabam aí, pois Händel teve uma infância bem diferente. Enquanto Vivaldi e Bach foram estimulados desde pequenos à música, o pai de Händel tinha outros planos para ele. Frustrado com sua posição, que apesar de não ser ruim (vale lembrar que naquela época o barbeiro era o cirurgião da cidade) também não lhe dava expectativas de crescimento, Georg pai queria que o filho estudasse Direito, e por isso proibiu qualquer contato que pudesse ter com a música. Chegou, inclusive, a trancar no sótão da casa o pequeno clavicórdio que sua esposa tinha.

"The Child Handel" de Margaret Dicksee

"The Child Handel" de Margaret Dicksee (1893)

Mas o pequeno Händel deu seu jeito. Conseguindo pegar uma das cópias da chave do sótão, ele fugia para lá quando seus pais se recolhiam e passava as madrugadas praticando no clavicórdio, sem nenhum tipo de orientação. Passou anos fazendo isso sem que seus pais desconfiassem, até que, em uma viagem para visitar um parente que trabalhava na casa de um duque, o jovem Händel surpreendeu a todos não só por saber tocar, mas ser por incrivelmente bom para quem nunca teve aulas.

Depois de presenciar o talento do filho, Georg pai não teve outra alternativa a não ser concordar com que este recebesse educação musical.

Apesar da concessão do pai, Händel ainda se viu forçado a iniciar os estudos em Direito na Universidade de Halle. Mas não aguentou muito tempo. Pouco menos de um ano depois de iniciar, Händel fugiu para Hamburgo, onde foi contratado como violonista em uma orquestra. Lá, ele teve contato não só com excelentes músicos que o influenciaram, mas também com o gênero que o consagraria: a ópera.

Num período de 3 anos, Händel tentou aprender o máximo que pode acerca do novo mundo que encontrara. Compôs, inclusive, as suas duas primeiras óperas. Mas foi somente em 1706, então com 21 anos, que sua vida começaria a mudar de fato. Händel, junto com alguns outros músicos, foi levado em excursão para a Itália, pátria da ópera, e passou novamente por um período de intenso aprendizado, que culminou, 4 anos depois, na sua contratação como Kapellmeister (algo como músico oficial) do príncipe Georg de Hanover.

Com a vida praticamente ganha, pois o emprego que conseguira era um dos melhores a que poderia aspirar, Händel dedicou pela primeira vez todas as suas forças para a composição. Foi um de seus períodos mais criativos para a ópera no estilo italiano e o teria facilmente consagrado na Europa como um todo, não fosse mais uma reviravolta do destino. E mais uma vez com uma viagem.

Handel (esq.) e o Rei George no Rio Tâmisa

Handel (esq.) e o Rei George no Rio Tâmisa

Em 1710, o empregador de Händel, príncipe Georg, tornou-se Rei George I, assumindo o trono da Grã-Bretanha e da Irlanda. Dessa forma, Händel se mudou com a corte para Londres, onde passaria os próximos 50 anos. Em 1727, ele resolveu naturalizar-se, e trocou seu nome pela forma inglesa George Frideric Handel, como é conhecido até hoje.

De início, seu trabalho na Inglaterra era o mesmo que em Hanover. Ele continuava a compor óperas italianas e seu sucesso era garantido, seja na corte, seja entre a nobreza. No entanto, aos poucos ele começou a compor peças em inglês, ao invés de italiano, o que agradou tanto a ele, quanto à audiência. Handel então começou a alternar obras em italiano em inglês, até que a partir de sua obra-prima, o Messiah, ele só compôs em inglês.

Handel morreu aos 74 anos, cego, porém muito rico, e foi enterrado com honras reais na Abadia de Westminster. Como nunca casou e praticamente não possuía parentes, sua fortuna foi principalmente doada à caridade.

Por que ouvir?

Falar de Handel é falar de ópera, sejam seus trabalhos da juventude, em italiano, sejam os da maturidade, em inglês. São mais de 40! Ele foi um dos grandes responsáveis por mostrar que a ópera italiana não a era única representante do gênero, e que poderia ser imitada e até melhorada por compositores considerados mais “frios”, como os germânicos.

Seu período na Itália foi de suma importância para o aprendizado de todas as nuances do gênero, o que lhe possibilitou a criação, mais tarde, de obras com todos os elementos básicos da ópera barroca (sobre os quais a gente ainda vai conversar em outra oportunidade) e com acréscimos seus, que muito influenciariam os compositores dos períodos seguintes.

Além das óperas, Handel também é muito conhecido por seus oratórios, que são peças muito parecidas com as óperas, diferenciado-se pelo tema, que é mais religioso, e pelo fato de que não há a interpretação de personagens pelos cantores.

Outro atrativo muito interessante, é que, como Handel passou a escrever obras em inglês, quem tem um conhecimento básico da língua consegue entender tranquilamente o que é cantado, tanto nas óperas, quanto nos oratórios. É muito legal você testemunhar o que alguém queria lhe dizer, mais de 300 anos atrás.

O que ouvir?

Zadok, the Priest (HWV 258) - Handel compôs quatro hinos para a coroação do Rei George II, em 1727. Com textos da King James Bible, Zadok é o quarto e último desses hinos e desde então vem sendo usado durante a unção do soberano nas coroações britânicas. Outra curiosidade é que o hino da Liga dos Campeões da UEFA, que você ouve antes das partidas, foi baseado nessa composição.

Acis and Galatea: Act I - Love in her eyes sits playing (HWV 49B) – Uma das primeiras óperas em inglês compostas por Handel, e a obra que mais foi representada durante sua vida, narra a história de amor entre a ninfa Galateia e o jovem pastor Ácis, e de como sofreram com os ciúmes do ciclope Polifemo. A ópera é divida em dois atos: no primeiro, Galateia e Ácis se apaixonam e falam sobre o amor puro; já no segundo, é introduzido Polifemo, e versa sobre o ciúme e as loucuras da paixão. Essa passagem específica é do primeiro ato, quando Ácis e Galateia se encontram pela primeira vez. Acho impressionante como só de escutar Ácis falando, consigo imaginar o olhar de Galateia apaixonada por ele.

Water Music, Suite nº 2 em Ré maior (HWV 349) – Logo que se mudou para Londres, a pedido do Rei George I, Handel compôs 3 concertos sobre o Rio Tâmisa, que ele então batizou de Water Music. Incrível como mesmo fazendo um concerto grosso, ou seja, onde não há apenas um instrumento solista, ele não soa exatamente barroco, assemelhando-se muito mais às composições do período clássico, como de Haydn.

Onde já ouvi?

A obra mais conhecida de Handel é sem duvida o oratório Messiah, que, dividido em três partes e com letras retiradas da King James Bible (assim como o Zadok)foi fundamental para história da música. Não só por sua beleza e complexidade, mas principalmente por ter influenciado direta e profundamente um jovem austríaco chamado Wolfgang. Mas essas são cenas dos próximos capítulos.

Por enquanto, fiquem com o Messiah, na sua apresentação mais famosa, com o coral do King's College. Quem quiser, pode acompanhar as letras por aqui.

É belíssimo!

Dica: Adiante para 1:39:39 e saiba porque você já ouviu Handel antes. =D