Coisas Frágeis e porque devemos contar nossas histórias | Iradex

Coisas Frágeis e porque devemos contar nossas histórias

Neil Gaiman acordou de um sonho com uma frase na cabeça, e imediatamente anotou-a num papel. Isso aconteceu há quase 15 anos, e o resultado desse sonho foi uma coletânea das mais belas histórias já criadas por um ser pensante.

Acho... que prefiro me lembrar de uma vida desperdiçada com coisas frágeis, a uma vida gasta evitando a dívida moral.

Inicialmente, a coletânea deveria se chamar Essas Pessoas Devem Saber Quem Somos e Contar que Estivemos Aqui, (em homenagem a uma tirinha de Little Nemo, que era publicada aos domingos no The New York Herald durante as duas primeiras décadas do século XX) e apresentar a vida de uma dúzia de personagens narradas por eles mesmos.

fragile thingsMas aí, a vida aconteceu. Não a dos personagens, mas a do autor. As histórias começaram a fugir do controle. O que era pra ser um conto virou uma poesia. O que era pra ser uma poesia se transformou num manual de instruções. O que era pra ser um manual de instruções evoluiu para uma carta de amor.

Quando viu que seu projeto inicial estava completamente diferente do imaginado, Gaiman pensou até em cancelar a compilação das histórias. Mas foi então que ele teve o sonho, e tudo fez sentido. “Afinal, existem tantas coisas frágeis. Pessoas se despedaçam tão facilmente; sonhos e corações também.”

Publicada pela primeira vez em 2006, a coletânea reuniu 32 textos, entre contos, poesias, manuais de instruções e cartas de amor. Não existe nenhum igual a outro, e não há qualquer lógica que os conecte. São todos lindos. Cada um deles.

Por aqui...

No Brasil, Coisas Frágeis é publicado pela editora Conrad em dois volumes (10 textos no primeiro, e 22 no segundo) e traz pela primeira vez os textos traduzidos. Eles podem ser lidos em qualquer ordem (inclusive de trás pra frente), apesar de a seleção ter sido feita pelo autor pensando numa lógica que só ele entende.

Uma dica para quem for pegar essa edição da Conrad é não ler a introdução antes dos textos, pois nela existem alguns spoilers. O melhor é você ler o texto primeiro e depois voltar para ler a parte correspondente da introdução. Fica bem melhor!

Pra dar um gostinho e também pra você não arriscar tomar um spoiler, vou falar pra vocês sobre meus textos preferidos, e assim você pode escolher por onde começar.

coisasUm Estudo em Esmeralda: Já pensou como seria misturar os universos de Arthur Conan Doyle e H.P. Lovecraft? A dupla Sherlock e Watson correndo atrás do Cthulhu? Então é isso que você vai encontrar nesse conto, que buscou inspiração nas obras clássicas dos dois mestres citados, mas também nos aclamados A Liga Extraordinária (Alan Moore) e Anno Drácula (Kim Newman). O nome é propositalmente uma homenagem e uma referência à história Um estudo em Vermelho, considerada uma das melhores da dupla de Baker Street. Outro atrativo do conto é mais específico para quem for fã da série de TV Sherlock, pois existem vários elementos que inspiraram seu episódio piloto, chamado Um Estudo em Rosa.

 

Golias: Em 1999, vários autores foram procurados pela Warner para criar histórias que pudessem despertar o interesse do público no seu novo filme. Esse filme era Matrix. E Golias é a história criada por Neil Gaiman. Apenas leia.

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Como conversar com garotas em festas: Além do conto em si ser genial, as inseguranças e falsas certezas de uma dupla de amigos adolescestes a caminho de uma festa, tem ainda o fato de que uma adaptação em quadrinhos está prevista para junho deste ano pela editora Dark Horse, contando com os traços da dupla brasileira Fábio Moon e Gabriel Bá!

O Monarca do Vale: Esse é o texto que fecha o primeiro volume e só é indicado para quem já leu o livro Deuses Americanos. Se você não leu ainda, e quer ler algum dia, então pule esse conto, pois ele vai te dar spoiler do final do livro. Pra quem já leu e tá se coçando pra saber mais, vou só dizer que a história se passa dois anos depois dos acontecimentos do Deuses e une dois universos criados pelo Gaiman!

coisas_frageis2_A Câmara Secreta: É o segundo texto do segundo livro, e é também a segunda poesia. Estranha e linda, assim como as coisas que realmente valem a pena.

Hora de Fechar: Uma ótima história de fantasia, mas contada daquele jeito Gaiman que a gente não sabe se realmente aconteceu ou não. Incrível como ele sempre consegue fazer isso! Me lembrou muito o Oceano no Fim do Caminho. Quem sabe não foi um protótipo?

Os Outros: Começa com um homem chegando ao inferno e sendo recebido por um demônio, que diz: “O tempo é fluido aqui.” Se eu tivesse que dizer pra vocês lerem apenas um texto dos dois livros, seria esse. Talvez o melhor conto já escrito ever! 

Somos contadores de histórias natos

Mais até do que a beleza dos textos, Coisas Frágeis nos traz uma importante mensagem: somos todos capazes de contar histórias. Se não de inventá-las, ao menos de contar as nossas próprias. Sejam escritas, cantadas ou declamadas. De terror, de amor ou de dor. Para os outros, para nossos filhos ou para nós mesmos.

Por isso, contemos nossas histórias. Escrevamos, cantemos ou declamemos. Não importa sobre o que. Não importa pra quem. "Devemos isso uns aos outros: contar histórias."