Krig-ha Bandolo! | Iradex

Krig-ha Bandolo!

O caminho pode ser o mesmo, por tantos já percorrido, mas o final pode sempre ser surpreender. Especialmente aos olhos e ouvidos mais atentos.

Krig-ha Bandolo! é um conto por Tony Everton e distribuído em primeira mão aqui no Contos Iradex. Embarque nessa leitura.


KRIG-HA BANDOLO!

Passou discretamente pelo centro das habitações em direção à cratera de despejos, como se houvesse algo para despejar. O fato de não carregar nada pareceu passar despercebido. Havia um bom percurso a fazer. A Ilha parecia maior ao atravessá-la do que quando apenas a observava. Pensou que nunca saberia se era realmente uma ilha, aquela elevação montanhosa censurava sua curiosidade. Agora em definitivo.

Quando já havia batido uma certa distância, viu alguns garotos caminhando em sua direção. A total discrição havia sido sua obsessão nos últimos dias, e hoje parecia uma prioridade emergencial. Teve que passar os dedos pelos olhos para checar se estava chorando. Isso, com certeza, chamaria atenção. A aproximação permitiu que reconhecesse a dupla, que pareceu não notar sua presença e, mesmo a poucos passos, continuavam distraídos em suas falas.

—  Eu não preciso te convencer de nada, cara.

—  Você não precisa me convencer de nada. Só me leva junto da próxima vez. Qual é a desculpa agora? Por que não me chamou?

—  Bom dia! - Disseram quase em conjunto, interrompendo a conversa.

Perto demais para que pudesse fingir não ter escutado. Sua respectiva resposta foram suas inevitáveis últimas palavras. Pela forma como continuaram conversando, notou que seu esforço para responder àquela saudação, talvez, tenha sido desnecessário.

Após alguns quilômetros caminhados, voltou a se concentrar na sua definitiva tarefa. Não era o primeiro a trilhar esse mesmo caminho. Desde o naufrágio, um percentual considerável de pessoas souberam ler corretamente as opções e acabaram fazendo esse percurso, com esse mesmo objetivo.

O Krig é uma espécie de cordilheira que cruza toda extensão da ilha, invadindo mar adentro no lado sul, formando um muro rochoso. A noroeste do que poderia ser o centro da ilha, ele volta a encontrar o mar, mas nessa ponta com menos ferocidade, pelo menos de sua parte. Essa parece ser sua região mais acessível, até um ponto onde forma um penhasco, quase como um trampolim. A subida não exige muito esforço, embora exija um pouco de resistência. Ao chegar no trampolim, quem possuir coragem suficiente para chegar perto da extremidade do penhasco e olhar para baixo, poderá ver o mar castigando insistentemente as pedras aos pés do Krig. Mesmo a algumas centenas de metros de altura é evidente a força que as ondas exercem sobre aquelas pedras. Uma queda dessa altura já seria fatal, mesmo em águas tranquilas.

Mas não estava pensando em nada disso quando finalmente alcançou o trampolim. Estava tentando, durante todo o percurso, afastar dos ouvidos uma insistente melodia, uma lembrança de infância, que tornava tudo muito mais melancólico. Seu pai costumava cantarolar essa melodia todos os dias, sempre com uma letra diferente. Cantava o que lhe viesse a cabeça. Parecia se divertir, às vezes com as palavras que lhe surgiam, às vezes com as palavras que não se encaixavam na melodia. Mas isso não o fazia abandonar a empreitada e continuava cantarolando. Há muito tempo que não conseguia lembrar o rosto do seu pai, mas essa melodia parecia sempre encher seus ouvidos. Esse tipo de nostalgia era tudo o que não precisava. Tentou ignorar esse incomodo e fixou sua visão no ponto mais distante possível por alguns minutos. Fechou os olhos pra testar se a imagem continuava bem definida em sua própria escuridão. Repetiu a ação, fixando mais uma vez seus olhos naquele ponto enquanto seu corpo corria ao encontro daquele limite horizontal. Dessa vez, quando fechou os olhos sentiu-se mais leve, parecia que sua pele estava se desfazendo, todos os fios de cabelo do seu corpo reagindo à queda. Sentiu também alguma coisa na barriga e a melodia que ficava cada vez mais alta preencheu completamente sua cab


Esse conto foi escrito por Tony Everton para o Contos Iradex. Para reprodução ou qualquer assunto de copyright o autor e o blog deverão ser consultados.


Sobre o autor: Tony é, principalmente, o pai do Vinícius. Mas é também analista de sistemas, guitarrista, escutador de podcast, brasileiro, nordestino e natalense. Lê sempre que pode e escreve sempre que quer.
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