Limite de Velocidade: Parte 2 - Loucuras que se entrelaçam | Iradex

Limite de Velocidade: Parte 2 - Loucuras que se entrelaçam

O que você faria se desmaiasse no acostamento de uma estrada que parece ficar no meio do nada e acordasse no banco traseiro do carro de um desconhecido? Esse parece o ponto de partida para um conflito memorável, mas vamos deixar que a própria história e seus personagens contem o final que isso levará.

Limite de Velocidade é um misterioso conto, escrito por The Raconteur e distribuído em primeira mão aqui no Contos Iradex. Conheça hoje o desfecho dessa história. O conto foi publicado em 2 partes, durante o mês de setembro.


SUMÁRIO

- Parte 1 - Loucuras que se cruzam

- Parte 2 - Loucuras que se entrelaçam


LOUCURAS QUE SE ENTRELAÇAM

Jade tinha se tornado boa em esconder sentimentos para evitar maiores decepções, mas aquele cara a tinha surpreendido. Muitos pensamentos e reflexões passaram pela sua cabeça, na velocidade da luz. Ela levou uma fração de segundo para se recompor.

– Você é meio pirado das ideias, não é?

– Talvez, mas só um pouco.

Ambos ficaram em silêncio por alguns minutos, apenas escutando uma música calma que tocava na rádio, até que Jade resolveu falar.

– Eu topo.

– Topa? – ele olhou para ela, surpreso – Tipo, topa ir comigo?

– Sim, eu topo – respondeu, olhando-o nos olhos pela primeira vez. Seus olhos eram da mesma cor das amêndoas que comera no dia anterior.

– Wow...

– O que foi?

– Você é mais pirada que eu.

– Sou? Mas por quê? – perguntou, incrédula.

– Porque aceitou viver uma aventura com uma pessoa da qual você só sabe o nome. E se eu for uma pessoa ruim e tirar proveito de você?

Jade olhou para ele e assumiu um tom sério ao responder que, se ele quisesse lhe fazer mal, já teria feito. Enquanto estava desacordada, ele poderia ter roubado suas coisas e ido embora. Ou simplesmente nem ter parado o carro, mesmo que tivesse visto que ela não estava bem. Ele deu risada. Foi obrigado a concordar. A verdade é que Tadeu era meio manteiga mole, não conseguia fazer mal às pessoas de propósito. Jade era mais venenosa, sempre tinha uma resposta na ponta da língua, que servia como um tapa na cara do inimigo.

– Jade? – chamou-a, depois de algum tempo escutando apenas as músicas que tocavam na rádio e o som do vento.

– Hm?

– Pode pegar uma coisa para mim no porta-luvas? É uma câmera.

Ela olhou para ele ao seu nome ser pronunciado. Escutou o pedido e abriu o porta-luvas. Quase não acreditou no que viu.

– Você tem uma Polaroid? – perguntou, quase gritando – Eu sempre quis ter uma dessas! Onde você conseguiu?

– Eita, calma aí – disse, rindo – Eu a consegui em uma venda de garagem há alguns anos. Não me interessava por essas coisas até ver como funcionava. O antigo dono me deixou tirar umas fotos para experimentar e acabei me apaixonando. Eram os últimos filmes dele.

– Ela tem algum filme agora?

– Tem, mas são poucos. Tenho que comprar mais.

Tadeu olhou para Jade. Os olhos dela estavam vidrados na câmera. Ela a examinava com todo o cuidado que seus dedos longos e gordinhos conseguiam. Ele não conseguiu evitar e sorriu, com direito aos dentes aparecerem. Olhou para a frente. Eles estavam chegando em uma cidade, pelo que dizia a placa pela qual acabara de passar.

– Que tal tirar uma foto? – perguntou a ela, que por sua vez olhou para ele com uma expressão mista de surpresa e excitação. Ela estava sorrindo.

– Eu posso?

– Pode, claro. Estamos chegando a uma cidade. Vamos procurar um lugar bonito e você pode acabar com o resto dos meus filmes – disse, rindo.

Ela sorriu como não sorria há bastante tempo. Estava feliz, contente por ter decidido sair de casa antes do sol nascer e deixar aquela vida para trás. Jamais voltaria.

Antes de chegarem à cidade, Jade acabou tirando uma foto de Tadeu dirigindo. “Foi sem querer”, ela disse, mas era mentira. Queria ter uma foto dele para guardar de recordação, caso um dia a aventura terminasse com cada um seguindo seus respectivos caminhos. Com uma caneta que encontrou no porta luvas, Jade rabiscou no espaço em branco da foto já revelada. A letra saiu tremida, mas ela escreveu Que a aventura comece! e pôs a data daquele dia em que, embora não soubesse ao certo como, a vida dela começara a mudar.

Já na cidade, os dois procuraram um lugar não só bonito, mas que transmitisse uma energia positiva. Afinal, era disso que eles precisavam no início de sua jornada. Ao passar por uma praça com árvores de flor de cerejeira, as sakuras, Jade quase gritou “É aqui, é aqui!”. Tadeu não discutiu, apenas procurou um lugar para estacionar. Os dois saíram do carro e caminharam até a praça, procurando onde fotografar.

Jade tirou a segunda foto com a Polaroid. Quando a imagem foi revelada por completo, era possível ver a copa de uma das sakuras se misturando com o azul do céu. Era uma visão realmente bonita. Tirou mais duas fotos de Tadeu e foi quando ele tomou a câmera de suas mãos para tirar uma foto dela. Jade ficou sem graça, não conseguiu sorrir. Antes de tirar a foto, Tadeu olhou bem fundo nos olhos dela.

– Eu não tinha prestado muita atenção antes, mas seus olhos... Seu nome é por causa deles, não é?

– Oh, você descobriu meu segredo! – brincou, sorrindo.

Tadeu aproveitou aquele momento e tirou a foto. Ele foi mais rápido que ela. E lá estava Jade, com sua baixa estatura, seus cabelos ondulados nas pontas e seus olhos cor de pedra preciosa. No fundo, um banquinho vermelho e mais ao longe, uma sakura. Eles riram enquanto a foto era revelada. Riram durante o jantar em uma lanchonete qualquer. Riram enquanto procuravam um lugar para dormir. Riram quando tiveram que dormir no carro, pois todas as pousadas da cidade estavam lotadas. Riram durante o sono, ao imaginar as aventuras e desventuras em que se meteriam. No dia seguinte, riram ao se perderem e terem que consultar o mapa que se encontrava no porta-luvas. E riram mais uma vez enquanto Tadeu ultrapassava o limite de velocidade, a caminho do amanhã.


Esse conto foi escrito por The Raconteur para o Contos Iradex. Para reprodução ou qualquer assunto de copyright o autor e o blog deverão ser consultados.


Sobre o autor: The Raconteur é uma pessoa que quer permanecer nos braços do anonimato pelo tempo que conseguir esconder sua identidade secreta, mas que adquiriu um tipo raro de super poder: o de saber como, quando e pra quem contar uma história.
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