Time é um conto escrito por Gabriel Franklin e distribuído em primeira mão aqui no Contos Iradex. Embarque nessa leitura.
Time
Se chove quando tá fazendo Sol, então porque nunca chove quando a Lua tá no céu? Aliás, porque a lua não aparece quando tá nublado? Teoricamente a luz é a mesma, já que a Lua só reflete o Sol. Foda-se a física. Ei, porque aquele menino tá olhando pra mim? Mais tarde vou tentar mais uma vez ficar sem comer pão. Tenho que conseguir. Porra, mas se eu não comer pão, vou comer o que? Ficar sem comer é quase tão ruim quanto ir pra academia. Sério, ele ainda tá me olhando. Droga, será que eu to com alguma coisa no cabelo? Daquela vez tinha quase uma colmeia toda na minha cabeça e eu nem percebi. Estúpida. La la la la la. Hello, it’s me. Talvez eu possa comer bolacha. Pera, aquilo é bolacha ou biscoito? Não devia me preocupar tanto com o nome das coisas, até porque é tudo inventado mesmo. Tipo, quem foi que disse que o nome da árvore era pra ser árvore. Teve que existir alguém que chamou as coisas pela primeira vez e ensinou pros outros. Mas qual foi o critério que ele usou pra inventar a palavra. Será que alguma mulher já inventou uma palavra? Xequerê. Pronto inventei uma. Posso ter sido a primeira. Não, provavelmente não. Mas será que já vale ou tenho que falar em voz alta. Assim que sair daqui vou falar pra valer de verdade. PORRA. Ele ainda tá olhando. Vou fazer cara de inteligente. Porque será que as pessoas gostam tanto de ficar olhando umas pras outras. Ai, que ridícula. Eu também faço isso. Acho que foi exatamente o que o padre falou domingo na missa, que a gente quer muito julgar os outros pra tentar se sentir melhor com os nossos problemas. Na hora eu tava com tanto sono que nem me toquei que isso faz sentido pra caramba. Mas o que será que eu invejo nas outras pessoas? Meu cabelo é sem graça. Eu tenho espinha na cara. Sou desengonçada. Porra, devia ter feito balé. Mas todo mundo diz que meu sorriso é bonito. Será que se conquista alguém só pelo sorriso? O Tom Cruise com certeza, mas eu? Do jeito que eu sou sortuda, vai ter um alface no meu dente quando eu tentar conquistar alguém com um sorriso. Que nem daquela vez. La la la la la. Hello, it’s me. Domingo tem jogo. Espero que o pai não implique de novo se eu xingar. Já foi uma luta conseguir convencer ele que eu realmente gosto do jogo e não to lá simplesmente porque não tenho nada melhor pra fazer. Gosto de ficar com ele, mas de algum modo muito estranho ele parece ficar sem graça perto de mim. As vezes ele olha bem fundo nos meus olhos e diz que eu tenho muito dele. Talvez seja por isso. Mas duvido que ele alguma vez tenha se preocupado em não comer pão de noite. Ou se era bolacha ou biscoito. Será que o pai de todo mundo é assim? Sinto falta da minha mãe. Será que eu ia ser uma boa irmã? A casa com certeza seria menor. Menor não, sua burra. Só com menos espaço. Tá vendo, mesmo com sorriso bonito eu não consigo fazer ninguém gostar de mim com essa cabeça de vento. Já pensou se alguém escutar o que eu to pensando. CARALHO. Será que é por isso que ele tá olhando pra mim? Meu Deus! Ele consegue ouvir meus pensamentos. Igual aquela vez que eu tive certeza que as pessoas podiam identificar quando eu peidava. Não! La la la la la. Hello, it’s me. Será que eu vou ter que arrancar meus dentes? Porque se o sorriso for a minha última esperança, não quero ter a menor chance de estragar o que pode estar bom. Só o que faltava, usar aparelho. Dizem que não vai ser tão ruim. Dizem. Bullshit. Que nem aquela vez que a enfermeira disse que a agulha nem ia doer, e na verdade parecia que ela ia até meu osso. Talvez ela tenha ido e hoje eu tenho uma infecção generalizada que vai me dar só mais 1 ano de vida. Pra onde eu iria se soubesse que tenho só mais 12 meses de vida? Passaria um mês em cada canto? Uma semana? NYC, NZ e Tokyo seriam obrigatórios. A partir daí eu organizava o resto. Mas com que dinheiro? Porra, ia ser muito louco se eu encontrasse um estoque infinito de dinheiro no porão. Ou se eu pudesse parar o tempo e assaltar um banco. Ficar invisível? Acho que não. Isso só serve pra ver gente pelada. Um poder super foda seria poder ler mentes. PARA TUDO! Será que ele é um X-Men? La la la la la. Hello, it’s me. Será que eu devia arranjar um emprego? Assim eu não ia ter que pedir dinheiro pro pai todo tempo. Até pra comprar aquilo. Eu vejo que ele fica tão sem graça quanto eu. E quando ele compra, é sempre daquela marca que eu detesto. No que eu podia trabalhar? Na biblioteca, com certeza. Mas será que eles contratam gente da minha idade? Garçonete? Porra, com a minha coordenação motora, melhor evitar esse. Acho que eu podia ser voluntária em uma instituição. Não, pera. Voluntária. Burra. Tô sem nada pra ler. Acho que vou pegar alguma coisa da biblioteca da escola. Engraçado como a minha lista tá sempre enorme, mas na hora de decidir nunca consigo. Melhor pegar uma ficção científica ou um policial? O último que eu li foi medieval, seria legal variar e pegar alguma coisa com carros ao invés de cavalos. Eletricidade. Taí uma coisa impressionante. Se dependesse da minha inteligência, o mundo provavelmente ainda estaria escuro. E sem pontes. E abridores de lata. Ele AINDA tá me olhando. Definitivamente deve ser alguma coisa no meu cab
“Atenção, pessoal. Faltam apenas 15 minutos para o fim da prova. É bom vocês começarem a marcar o gabarito, senão não vai dar tempo.”
Lascou.
Esse conto foi escrito por Gabriel Franklin para o Contos Iradex. Para reprodução ou qualquer assunto de copyright o autor e o blog deverão ser consultados.