O Cravo Bem Temperado: Réquiem | Iradex

O Cravo Bem Temperado: Réquiem

Por Vinicius Hilario

É possível expressar a dor da perda em uma composição?

Falar sobre perda é extremamente difícil e doloroso. Alguns podem encarar essa situação com tristeza, outros com ira, mas uma coisa é certa: todos passarão pelo luto. Na música erudita não existe composição mais representativa para a dor da perda, do que o Réquiem.

A palavra que deriva do termo “requies”, que significa descanso latim. Dependendo de sua crença religiosa a morte pode significar a chegada do descanso e da paz. Um réquiem é uma missa católica usada para representar o repouso da alma e, também, para homenagear aqueles que se foram, mas pode muito bem ser usada nos funerais.

Muito típico de ritos fúnebres da igreja católica apostólica romana, a missa dedicada a quem acaba de ir tem sempre a primeira palavra na composição puxada pelo Réquiem, como por exemplo, “Requiem aeternam dona eis, Domine” (“Senhor, concede-lhes o eterno descanso”, na tradução para o português). O que não ocorre em todos os Requiems.

A última composição escrita por Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) foi seu “Requiem em ré menor”, escrito no ano de sua morte, e uma da obra mais reconhecidas e icônicas da história da música erudita. Ele próprio não chegaria a terminar a composição, tarefa que coube ao discípulo Franz Xaver Süßmayr (1766-1803), de finalizar a magnífica obra.

Acredita-se que o compositor deixou finalizado o Introitus (Requiem aeternam) e esboçou os temas do Kyrie até o final do Hostias. O Lacrimosa teria ficado apenas com oito compassos. Süßmayr, então, terminaria o Lacrimosa e teria composto totalmente as obras Sanctus, Benedictus e Agnus Dei. Não é possível, no entanto, provar até onde o discípulo mexeu ou compos.

A morte prematura de Mozart, assim como sua missa fúnebre, representa o apogeu de um compositor, sua maturidade e o refinamento de sua obra que ecoa pelo tempo como um dos mais belos trabalhos da música erudita.

O mundo conheceu a obra em 2 de janeiro de 1793, em Viena, num concerto beneficente, dedicado à viúva de Mozart, Maria Constanze Mozart (1762-1842). Conta-se que a obra teria sido originalmente encomendada para as homenagens da morte da esposa do Conde austríaco Walsegg-Stuppac (1766-1803).

O próprio conde, ao encomendar a obra, pediu que Mozart suprimisse a própria autoria da obra, para que o nobre ganhasse os créditos pela bela composição. Ocorre que Mozart morreu durante a produção e a verdadeira história sobre o Réquiem acabou por revelar a verdade: ele havia escrito, e não o pretenso conde.

A orquestração para essa obra utiliza clarinetes, fagotes, trombones, violinos, cellos e contrabaixos, tudo organizado para para quatro solistas a voz e um coro. Dividido em Introit: Requiem aeternam, Kyrie Sequenz: Dies irae ,Tuba mirum, Rex tremendae, Recordare, Confutatis,Lacrimosa, Offertorium: Domine Jesus e Hostias, Benedictus e por fim Communion: Lux aeterna

Segue um trecho de uma das partes mais bonitas da composição:


Lacrimosa
Lacrimosa dies illa,
Qua resurget ex favilla.
Judicandus homo reus:
Huic ergo parce, Deus.
Pie Jesu Domine,
Dona eis requiem. Amen.

Tradução:
Lágrimas

Dia de lágrimas, aquele,
No qual, ressurgirá das cinzas,
Um homem para ser julgado;
Portanto, poupe-o, ó Deus.
Ó, misericordioso, Senhor Jesus,
Conceda-lhe a paz eterna. Amém.


A obra possui tamanha potência que, de algum modo, chega ser assustador, considerando que Mozart, já no final de sua vida e muito doente, tenha escolhido dedicar os últimos dias da própria existência a essa composição, repleta de melancolia e dor.

Espero que gostem da história e sintam a força da composição. Aperte o play e embarque nessa viagem.

Playlist

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O Cravo Bem Temperado é uma coluna escrita por Vinicius Hilario, para nos aproximar da música erudita com um olhar atual e descomplicado.
Experimente, aprofunde-se, e deixe a boa música guiar suas emoções.