O Cravo Bem Temperado: Música Medieval | Iradex

O Cravo Bem Temperado: Música Medieval

Por Vinicius Hilario

Você sabe quando a música erudita europeia começou a se transformar?

Pesquisar, estudar e aprender sobre a idade média nunca foi tarefa fácil, já que não existe uma data para definir o período. Costuma-se determinar, no entanto, que esse período ocorreu entre o final da Civilização Romana, no século V, e o início do Renascimento, que aconteceu durante todo o século XV.

Pejorativamente utiliza-se o termo “idade das trevas” – eu pergunto, trevas? – em referência à idade média, período marcado por uma desenvolvimento artístico e musical de alta qualidade. Também é uma era em que a civilização europeia conecta-se de forma estreita com a espiritualidade, com uma sociedade dividida entre a nobreza, os clérigos e os servos, sem mobilidade social e convívio bastante local. Naquela época todos viviam presos em seus feudos, verdadeiras bolhas, onde o evento da semana era ir ao culto cristão.

A música monofônica, melodia desprovida de qualquer acompanhamento, perdurou por um bom tempo durante a idade média, acompanhada de danças e ritmos feitos pelos trovadores, homens, que acompanhados de instrumentos como alaúde, cantavam suas poesias e histórias.

A música medieval nasceu no contexto dessa sociedade intrinsecamente ligada à religião cristã. Com a necessidade que a Igreja Católica tinha em unificar a liturgia de seus cultos, o Papa Gregório I oficializou o canto gregoriano nas missas de todas as igrejas católicas do continente. Essas canções constituem um estilo de música onde somente a voz produz a melodia, sem o acompanhamento de nenhum instrumento. O pontífice ainda iria criar a Schola Cantorum (Escola de Canto, em Latim), onde os membros da igreja podiam aprender e aprimorar o canto litúrgico, o que atraiu clérigos de muito países em busca de aprendizado e aperfeiçoamento.

A música erudita no ocidente começa com a manifestação em comunidades cristãs, num período que compreende os séculos I e VI. Suas fontes são os salmos da bíblia e a música derivada da cultura helênica. As principais formas musicais são as salmodias, cantos de salmos inteiros ou trechos, e himnodias, cantos realizados sobre textos novos, cantados numa única linha melódica, sem acompanhamento.

Já as primeiras composições polifônicas, datam do século IX e consistem na sobreposição de duas ou mais melodias, ou seja, o chamado organum. As obras de organum eram bastante elaboradas, apenas o nome de dois compositores chegou até nós: o de Leonin e o de Pérotin.

A prática polifônica dá um salto com a música desenvolvida por compositores que atuam junto à escola de música Sacra de Notre-Dame, na França, no século 13. Eles dispõem de uma notação musical em que são grafadas não apenas as notas, mas também os ritmos, e isso dita a duração do som. Durante o desenvolvimento desse tipo de música, há preocupação com o uso das notas musicais e o som peculiar que deriva delas.

Os sistemas de notas musicais antigo foi substituído pelo sistema de notação com linhas, a partir do trabalho de vários sacerdotes cristãos. O desenvolvimento do atual sistema de notas musicais não tinha por objetivo padronizar a música ou o canto, mas sim desenvolver um exercício prático de entonação e promover o aumento da qualidade das músicas.

De 1320 a 1380 denomina-se a “Ars Nova”, nome derivado de Philippe de Vitry, onde a música começa a retratar os assuntos cotidianos, abordando temas como amor e política, e neste ponto o caráter litúrgico acaba sumindo. A sobreposição de notas começa a aparecer e as composições são cada vez mais aperfeiçoadas. O padrão musical como conhecemos foi, tecnicamente, desenvolvido com esse movimento de renovação musical descrito acima.

Flautas, Harpas e Alaúdes foram os instrumentos utilizados para entoar as canções durante o período medieval.

O Alaúde, por exemplo, foi introduzido na Europa durante o século XII pelos mouros, com seu nome árabe (Al’ud, que se tornou “Laud”, na Espanha, depois “Luth”, na França). O alaúde é formado por uma caixa de madeira em forma de meia pera, com as costas em formato convexo. No tampo de seu corpo há uma abertura circular rendilhada chamada roseta, sendo um dos precursores dos instrumentos de corda.
Possui, assim como o violão e a viola, um braço com trastos¹, sendo mais largo e curto que ambos. A extremidade deste braço, onde se localizam as cravelhas² para a afinação das cordas, é bastante inclinada. É um dos meus instrumentos favoritos, por conta de sua melancolia e timbre.

Poucas composições sobrevivem ao tempo e não existem muitos registros sobre elas. Note o caráter religioso ligado a essas composições, tão importantes para a manifestação cultural daquele período e para a evolução da música erudita europeia como conhecemos.

Aproveite a playlist para ouvir essas músicas de tempos longínquos.

Playlist

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¹São pequenas "divisões” em seu braço, atualmente de metal. (N. do A.)
²Uma peça metálica ou de madeira que em certos instrumentos de corda permite controlar a tensão aplicada a cada corda. (N. do A.)


O Cravo Bem Temperado é uma coluna escrita por Vinicius Hilario, para nos aproximar da música erudita com um olhar atual e descomplicado.
Experimente, aprofunde-se, e deixe a boa música guiar suas emoções.