O Cravo Bem Temperado: Cinema | Iradex

O Cravo Bem Temperado: Cinema

Por Vinicius Hilario

Você já foi tocado pelo poderoso conjunto de imagem + som?

Pensar no quanto uma música pode mudar uma situação é algo comum para mim. Tente relembrar todas as vezes que você entendeu o que se passava numa cena de cinema apenas pela trilha. Já imaginou que aquela música pode não ser original? Outro dia estava assistindo Laranja Mecânica, um clássico do Stanley Kubrick e que há muito tempo não revia. Estava lá, bem no meio da icônica cena, uma sinfonia famosíssima de um compositor muito conhecido.

Muitas vezes não paramos para pensar de quem é a autoria de uma canção, por isso, hoje resolvi revisitar algumas músicas eruditas utilizadas pelo cinema, e quanto elas nos impactam. Importante mesmo é que a gente se identifique com as canções e crie uma relação com ela, sem preconceitos, para tentar ouvir e imaginar o que ela pode nos dizer e assim será fácil compararmos com os filmes nas quais elas brilham.

Richard Wagner não é um compositor muito popular – não por sua qualidade –, mas pela exaltação que os Nazistas fizeram a sua obra, que por algum tempo foi associada a um tempo sombrio na história da humanidade. Um típico músico da era romântica, Wagner criou entre muitas óperas “O anel do Nibelungo” e “Tristão e Isolda”, sendo um verdadeiro influenciador do modernismo, por conta do uso abrupto das notas de centro tonais. A primeira obra que citei, “O Anel do Nibelungo”, criada em 1851, revela uma história temática baseada na mitologia nórdica, onde seres místicos lutam pela posse de um anel.

Dividida em 4 partes a ópera tem a segunda parte intitulada “A Valquíria”(Die Walküre, no original em alemão), onde seu início se denomina “A cavalgada das Valquírias”, seres mitológicos que, por sua bravura e coragem, tem por função levar a alma dos heróis para o Valhala. No filme “Apocalypse Now” (1979), o diretor Francis Ford Coppola usa essa famosa composição para o voo dos helicópteros em direção a uma cidade vietnamita rumo a um ataque militar, a música exalta a força e a destruição acontece nas cenas seguintes. O tema acelerado incorpora o girar das hélices e o terror do ataque. Este é um exemplo claro no qual Coppola usa de forma eficiente uma música para dar sentimento a uma cena.

Em “V de Vingança” (2005), de James McTeigue, a “Abertura¹ 1812” de Pyotr Ilyich Tchaikovsky, na famosa cena final que representa a grande revolução, música interage com a ação e o uso de canhões, e o tema crescente exalta a grandiosidade da cena. A música foi composta a pedido do Czar russo Alexandre I, para enaltecer a vitória na batalha de Borodino, em 1812, que na verdade não foi uma vitória propriamente dita, já que as tropas lideradas por Napoleão ganharam a batalha, mas por conta de tantas baixas, os franceses retiraram-se. Aproximadamente 70 anos depois dessa batalha, Tchaikovsky compôs uma obra nacionalista e de caráter militar, pois apresentadas em ambientes abertos usavam canhões reais – já nas salas de concerto, os sons eram resultado de um bater de tambores –. A força de “Abertura 1812” casa com os ideias do filme, que exalta a força e energia de todos nós; tente ouvir e não se encher de coragem.

De novo ele, Kubrick, em “2001 - Uma Odisseia no Espaço” (1968) usa de forma triunfante “Assim Falou Zaratustra”, de Richard Strauss, para iniciar seu filme, concedendo profundidade e grandiosidade à famosa cena. A composição deu um toque de mistério a trama, que Stanley Kubrick, apaixonado por música clássica, viria a repetir o hábito de utilizar composições em seus filmes. Composta em homenagem – e influenciada – pelo livro de Nietzsche, a composição de Strauss inicia com o grave nos contrabaixos, contrafagote e órgão, seguida por uma fanfarra de metais, que introduz o tema do movimento³ pelo resto do tempo.

Eu não poderia deixar de citar a animação “Fantasia” (1940), lançada pela Disney, onde uma porção de crianças puderam se aproximar da música erudita. Em um famoso trecho da animação “O Aprendiz de Feiticeiro”, a música é utilizada para dar movimento ao desenho, desde o dançar das vassouras até os feitiços lançados. Construída de forma orgânica, a animação mostra explicitamente o que o compositor Paul Dukas pretendia com sua obra, ao mostrar a excitação do jovem aprendiz em descobrir seus poderes, contrastada com as consequências dos próprios atos deste personagem. Inspirada no poema de Johann Wolfgang Von Goethe, sobre um aprendiz que, cansado de fazer os trabalhos manuais de limpeza, enfeitiça os objetos para fazer seu trabalho, com tudo obviamente saindo de seu controle.

Clique aqui para ver no YouTube: https://youtu.be/cqyVZK5yN1E

“O Pianista” (2002) é um filme profundo e doloroso de se ver, mas apresenta lindas músicas para piano, entre elas, o primeiro movimento da Sonata² para piano n.º 14, apelidada de “Sonata ao luar”, onde o protagonista ao tocar a seu algoz, se aproxima dele e o liberta. Movimento extremamente melódico com seu tema cíclico evidente, de carácter melancólico, que nos leva a pensar sobre nós mesmos. Essa composição possui um ostinato muito evidente. Explico, ostinato é a frase musical que percorre o movimento até o fim, um padrão rítmico que permanece na mesma altura, dando uma característica bem única para esse movimento.

Escolhi trechos destes filmes porque eles são capazes de nos conectar com as músicas, para assim, partir rumo a novas experiências. Então sentem-se, apertem o play e embarquem nessa viagem.

Playlist

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¹Abertura é uma obra inicial instrumental para corais, óperas e peças dramáticas, mas também utilizadas para representar eventos. Também são aplicadas a poemas sinfônicos. (N. do A.)

²Sonata é uma palavra que deriva do latim, soar, uma música inteiramente instrumental. O período clássico enfatiza que uma sonata deve ser feita para um solista, ou seja um músico especializado em solos musicais. Possui três movimentos regulares: exposição, desenvolvimento, reexposição. (N. do A.)

³Movimentos são partes de uma composição. Sinfonias, por exemplo, possuem normalmente quatro movimentos. (N. do A.)


O Cravo Bem Temperado é uma coluna escrita por Vinicius Hilario, para nos aproximar da música erudita com um olhar atual e descomplicado.
Experimente, aprofunde-se, e deixe a boa música guiar suas emoções.