O Cravo Bem Temperado: Primeiro Beijo | Iradex

O Cravo Bem Temperado: Primeiro Beijo

Por Vinicius Hilario

O primeiro beijo marcado pela mais velha das histórias de amor

Constantemente me pego pensando no impacto que a música tem na vida da gente. Quanto ela nos influencia? Quão impactado somos por sua interpretação? Outro dia, conversando com minha avó, a ouvi confidenciar a saudade que sente de ouvir as músicas “de seu tempo”, no rádio, quando ouvia a famosa Dalva de Oliveira enquanto cozinhava. Refleti sobre aquilo que vovó mencionara e entendi que toda música reflete sua época, ainda que possa brilhar por muito tempo.

Fato é que de alguma maneira nos apegamos a uma canção – não necessariamente atual – sempre que ela é capaz de nos transportar ou resgatar uma memória. Ou seja, quando você ouve uma música capaz de te levar a outro lugar, quando atinge a sua alma, isso faz você transcender.

Me lembro até hoje da primeira vez em que “transcendi”.

Aquele dia, 14 anos atrás, foi bastante atípico. Era o dia do meu primeiro beijo, o que até hoje soa estranho para mim. Depois do beijo, propriamente dito, segui pelo caminho todo em direção à minha casa me sentindo diferente. A taquicardia e um intenso frio na barriga me acompanharam e, pela primeira vez, fui abatido por aquela montanha de sentimentos, algo bem atípico para mim, que sempre fui discreto e pouco caloroso.

Como devem imaginar eu não conseguia me concentrar em nada, então restou girar o dial da rádio, que por erro (ou destino), sintonizou no 103.3 de São Paulo. Era a Rádio Cultura FM. O estilo que ouvia não era exatamente desconhecido e depois de alguns minutos as memórias foram seguindo-se uma após a outra: lembrei dos filmes, dos documentários da TV e dos desenhos que me distraiam na infância.

O que se seguiu, no entanto, me atingiu. Me fez sentir novamente o beijo; o suor; o coração acelerado e o toque da pele que, pouco antes, me fez esquentar. De uma certa forma aquela composição acelerada e crescente me fez sentir algo incrível. Durante 20 longos minutos, que pareciam algumas horas, paralisei.

A música inicia com certo ar de desconfiança, então vem a doçura dos oboés, o sopro das flautas, tudo antes dos violinos e violoncelos, que afinados e agudos, abrem caminho para a imaginação subir até o céu.

Arrebatadora, a composição é inteiramente descompassada, outra característica bastante particular. Muito tempo depois eu viria entender intelectualmente as influências do período romântico na música clássica. As mudanças de tons abruptas daquela música exemplificam exatamente como eu meu senti naquele dia.

São em ocasiões como essas, que descrevi nos parágrafos acima, que entendemos um pouco o poder da música. E é baseado nesse entendimento que decidi compartilhar aqui o meu apreço pelas canções eruditas.

Nunca fui fã de Shakespeare, mas naquele dia ele ganhou minha admiração. Porque sua obra iluminaria, 300 anos depois de escrita, a mente do artista que compôs a abertura de Romeu e Julieta. A obra de Piotr Ilitch Tchaikovsky, que viveu e morreu no século 19, seria apresentada pela primeira vez ao mundo em 16 de Março de 1870, inspirada na famosa obra shakespeariana escrita em 1597, onde os dois amantes morrem por conta de um amor proibido.

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O Cravo Bem Temperado é uma coluna escrita por Vinicius Hilario, para nos aproximar da música erudita com um olhar atual e descomplicado.
Experimente, aprofunde-se, e deixe a boa música guiar suas emoções.