Toda história pode ser encarada por diversos pontos de vista. Até mesmo as mais clássicas.
A Lenda de Noel é um divertido conto da nossa série Especial de Natal, escrito por Wilson Júnior, ilustrado por JP Martins e distribuído em primeira mão aqui no Contos Iradex.
A Lenda de Noel
– Você já ouviu falar do Papai Noel, meu filho? - perguntou o pai, afagando os cabelos da criança.
– Papai Noel? Quem é esse, algum revolucionário? - disse o filho, virando-se.
O homem se animou com o questionamento do menino. Ajeitou-se na cadeira, empertigado, e começou a narrativa.
– De certa forma sim, meu filho. Só que Papai Noel tem poderes!
– Poderes? Tipo os poderes da revolução, de mandar os traidores para o paredão?
– Ha ha ha, não esse tipo de poder, rapaz. Poderes mágicos.
O menino levantou uma sobrancelha, sem entender o que o pai queria dizer com aquilo.
– Deixe eu lhe contar a história e você vai entender. Papai Noel era um homem pobre, nascido em país subdesenvolvido da América do Sul. Todo ano ele trabalhava arduamente no Natal, para que as crianças de sua região tivessem brinquedos. Era um homem gentil, cujo rosto moreno e risonho era emoldurado por uma bela cabeleira e barba negra.
– Ele era operário, papai?
– Sim! Me deixe continuar. Trabalhava como agricultor pela manhã, e era metalúrgico à noite.
– A foice e o martelo! - gritou o menino, empolgado.
– Isso mesmo! - respondeu o pai. – Papai Noel trabalhava muito para que pudesse ter dinheiro para produzir os brinquedos.
– Mas e essa tal de magia? - perguntou a criança, incapaz de conter a excitação.
– Eu estou chegando nela. Numa certa noite véspera de Natal, Noel trabalhava arduamente, buscando acabar os últimos brinquedos, quando percebeu que o material que havia adquirido esse ano seria insuficiente para fazer brinquedos para todos.
O pai fez uma pequena pausa ao ver o filho suspirar e abrir a boca surpreso.
– Desolado, papai Noel chorou sobre suas ferramentas enferrujadas de trabalho. Mas aí a mágica aconteceu! Suas lágrimas banharam a foice e o martelo, que ganharam um brilho amarelo e se transformaram em ouro.
– E o que ele fez? Vendeu as ferramentas e distribuiu a renda entre as pessoas da comunidade? Comprou mais materiais para construir brinquedos?
– Seria o ideal, mas não! Por que as ferramentas também transformaram Noel: agora ele estava vestido de vermelho da cabeça aos pés. Um golpe de seu martelo na bigorna a partiu em duas, um movimento da foice destruiu a parede de madeira de seu casebre.
– As cores da revolução! - disse o menino, os olhos brilhando.
– Sim! Mas não acaba aí. Noel viu que tinha poderes, e poderia ir até as casas dos burgueses tomar-lhes seus presentes e distribuir entre aqueles que não tinham dinheiro. E assim o fez!
– Com sua marreta ele destruía portas, chaminés e janelas, entrava na casa com uma grande sacola e recolhia os presentes para depois distribuir!
– E polícia, papai? Não prenderam ele?
– Noel era forte e rápido demais para a força repressora do estado capitalista. Quando cercado, ceifava a todos com sua poderosa foice, que cortava até mesmo o aço. Sua pele indestrutível não podia ser perfurada pelas armadas dos tiranos. A partir daquele dia, Noel fez a promessa que nenhuma criança passaria o Natal sem presentes.
O menino já saltitava, simulando os movimentos de luta de Papai Noel aniquilando os inimigos burgueses. Então, parou de repente, sério.
– Ora, se nenhuma criança pode ficar sem presente, onde estão os meus dos últimos anos, que nunca recebi?
O pai, pego de surpresa pelo questionamento, gaguejou.
– Você olhou debaixo da cama? – disse, recuperando-se da falha momentânea.
A criança abriu um sorriso largo cheio de dentes ausentes e correu escada acima até seu quarto. O pai o acompanhou.
Ao entrar no quarto do filho, encontrou-o de cara rabugenta.
– Você mentiu, pai, não tem nada embaixo da cama. Onde estão os meus presentes?
– Presentes? Presente é coisa de burguês capitalista, menino. Papai Noel não existe. Agora escova os dentes, canta a internacional e vai dormir!
Esse conto foi escrito por Wilson Júnior e ilustrado por JP Martins para o Contos Iradex. Para reprodução ou qualquer assunto de copyright o autor e o blog deverão ser consultados.